Caminhada
Naquela noite resolvi caminhar na praia. Estava tão amargurada que nada mais me amedrontava, nada poderia ser pior do que a tristeza que percorria a alma... coloquei tênis, uma calça qualquer, uma blusa já surrada. Amarrei o cabelo num rabo de cavalo e nada de batom, nem relógio. De qualquer forma, olhei o relógio antes de sair. Oito e vinte e seis.
Andei uns três quarteirões antes de chegar na calçada que dava pra areia da praia. Ali, tirei o tênis e resolvi sentir a areia geladinha massageando os dedos dos pés. Dava uma sensação maravilhosa. Um pequeno contraste com os sentimentos que estavam em meu coração.
Algumas vezes olhava para o céu, outras para as pegadas que ia deixando para trás. Se pudesse fazer o mesmo com os sentimentos, deixá-los pra trás, esmagados nas pegadas... Já estava me aproximando de algumas pedras e resolvi parar um pouco para tentar ver algum animalzinho por ali. Vi caranguejos e alguns peixinhos nas pequenas piscinas naturais que se formavam nas pedras. Pareciam tristes também. Caíram numa armadilha ao passar pelas pedras pois a maré baixou e não tiveram tempo de sair. Agora, o jeito era esperar até o amanhecer. A vontade era de fazer isso também, esperar o dia amanhecer por ali. Mas talvez não devesse apesar de não estar sentindo medo algum. Sentei, fechei os olhos, abaixei a cabeça e encostei nos joelhos. Revirei os sentimentos, procurando o medo, ou algo parecido que me fizesse querer voltar para casa. Nada.
Nesse momento ouvi um ruído atrás de mim Não quis abrir os olhos. Devia ser a água batendo nas pedras. Ouvi novamente. Resolvi abrir os olhos e procurar em volta. Não vi nada. Quando ia voltar à posição anterior senti a presença de alguém. Olhei para trás e não vi nada. Mas quando voltava o rosto para os joelhos já tinha alguém na minha frente. Por incrível que pareça, não me assustei. O olhei de cima a baixo e nesses segundos ainda me perguntei algumas vezes: onde está o medo?
Ele olhava-me nos olhos. Parecia perguntar alguma coisa. Comecei então a repará-lo, apesar daquela situação estranha, nós dois nos olhando sem nenhuma palavra. Seu cabelo tinha um corte diferente, curto. E a cor... ainda não tinha conseguido distinguir... os olhos eram bem vivos, com cílios grandes e escuros. Vestia uma roupa folgada, uma camisa branca solta que reluzia azul, como se fosse néon. Uma calça que parecia social escura e estava descalço. Mas seus pés estavam limpos, sem areia. Como ele conseguira isso? Os meus estavam repletos de areia...
Levantei-me e o olhei mais de perto. Que surpresa! Seus cabelos eram esverdeados. Esbocei um sorriso quando percebi que seus olhos eram alaranjados. Eu até compreendo essas seitas ou grupos que gostam de se vestir e usar coisas diferentes, mas dessa forma nunca tinha visto. Sorri. A camisa entreaberta mostrava uma pele cor de rosa por baixo da camisa. Nessa hora que me toquei que não tinha como sua camisa branca reluzir azul se não havia luz que não fosse a da lua refletindo em nós. Ele se aproximou bastante agora e eu pude sentir uma sensação de frio, apesar de não estar ventando. O frio vinha dele, como se fosse uma geladeira aberta...
Mas suas mãos tocaram as minhas e não eram frias. Nem quentes. Só tocaram com as pontas dos dedos o dorso da minha mão. Agora ele que me olhava. Lembrei que nem tinha penteado o cabelo. Seus olhos desceram pelos meus ombros, colo, barriga, pernas e pés. Que vergonha que tenho dos meus pés, mas não me importei.
Pensei em falar alguma coisa, mas não saiu nada de meus lábios. Apenas comecei a pensar: quem será? O que quer de mim? De onde você vem? E estranhamente comecei a ouvir: não sei quem sou, só quero olhar para você, não sou daqui. Olhei rapidamente para seus lábios, mas não tinham sequer se movido, mas eu tinha a certeza de tê-lo ouvido falar. Olhei a volta procurando quem falou aquilo e quando voltei os olhos para ele, percebi que ria. Eu pensei: Como assim? Como eu podia ouvi-lo sem que ele falasse? Eu falo com você pelo toque nas suas mãos. Olhei para as minhas mãos e ele ainda as tocava com a ponta dos dedos. Por que demorou tanto a sorrir? Eu aprendi a sorrir agora com você. De onde você é? Eu não sei, quando me dei conta, já estava aqui, nesse lugar. Que lugar é esse? Uma praia...
Nesse momento olhamos juntos para os seus pés limpos e percebi que eles não tocavam o chão. Era como se ele flutuasse. Dei um passo pra trás para ver melhor. Realmente... como você consegue fazer isso? Ele não respondeu, pois nossa mãos estavam longe uma da outra. Provavelmente não ouviu. Segurei as duas e ele deu um pulo. Nossa! Que turbilhão de sentimentos e informações! Não estava preparado para isso tão de repente!
Comecei a rir. Desculpe. Desculpe.
Depois disso, começamos a conversar. Eu olhava para o céu repleto de estrelas, para a lua. Algumas coisas que ele falava eu não conseguia entender direito. Algumas vezes, eu achava que ele era de outro país, que não entendia nossa língua, mas aí me lembrava dos seus dedos nas minhas mãos, nossos lábios sem sequer se mexerem durante a conversa. Ele me contou que conhecia muita gente, que sua família (apesar de ter dito outro nome) era muito diferente da minha. Contou também que o que eles denominam moradia era totalmente diferente da nossa.
Não sei o tempo que nossa conversa durou. Falamos muito, rimos bastante, como se nos conhecêssemos há muito tempo. Em certo momento, eu perguntei pra ele de onde ele vinha. Ele disse apenas que era de um lugar bem distante dali. E me devolveu a pergunta perguntando por que eu queria saber. Eu respondi que gostaria de vê-lo mais vezes. Nesse momento, nós dois nos calamos por algum tempo. Na verdade, eu havia gostado dele. Sem contar a curiosidade que ele havia despertado em mim. Eu o achei interessante, ao mesmo tempo distante, mas tão atencioso e, acima de tudo, por não sentir medo algum em estar ali, naquele lugar ermo, com um desconhecido. De alguma forma ele me fazia muito bem. Depois de uma pausa ele me respondeu: você poderá me encontrar sempre que quiser, é só sentir. Eu comecei a achar que aquilo tudo era um sonho. Então achei melhor acordar logo daquele sonho que estava se tornando tão bom. Sentei novamente, abaixei a cabeça nos joelhos e fechei os olhos. Esperei. Talvez realmente tenha sonhado. Mas ainda me lembro que muitas vezes abria os olhos e me via com a cabeça repousada nas suas pernas, outras vezes deitada em seu colo como uma criança. Outras vezes ainda, recostada em seu peito. Ele apenas olhava o horizonte, como se estivesse esperando alguma coisa. Lembro-me também que eu repetia diversas vezes: por favor não vá embora. E via lágrimas correndo dos seus olhos. Ele também aprendeu a chorar comigo.
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Caros leitores, que me perdoem os erros gramaticais e o final sem sentido.