karamázov
Rua Nevski fica em São Petesburgo, onde nos cantos das calçadas, ao lado, tem um musgo preto provavelmente, resultado da Grande inundação de 1699, este qual é culpado de uma infecção bacteriana em 1756. Sendo a rua mais importante de toda Rússia, uma capital moderna se comparada a Moscou, lugar dos místicos de membros enormes. Isso não cabia mais em lojas de artefatos que vendiam o mundo em suas prateleiras. Cafés da Arábia, com baba de camelo e grãos de areia, os mais belos fumos - indianos, do Rio da Prata, africanos. Os carros passavam por lá como transeuntes. Em qualquer outra parte desse país de dimensões continentais, era coisa para ser visto não mais que uma vez em toda a vida. Descendo a Nevski, conversando com ela, admirando os inúmeros dejetos sobre ela lançados. Como eram diversas. Papeis de biscoitos suíços, garrafas de vodka, um pombo morte, esbugalhado por algum carro. As luzes eram acessas pontualmente às cinco, como esbanjam claridade, era tão grande que mesmo estando o sol ainda posto derrubavam com sua luz branca. Detive-me em uma lojinha de artigos orientais, onde uma simpática senhorinha, dos pés monstruosamente pequenos, se apoiava em uma pata, sentadinha como uma estátua em um jardim. Sua face transformou com um largo riso e seus olhos; que eu achei não pudessem ficar menores, de fato se comprimiram mais. Tive a impressão que estava de olhos fechados, mas ela em saltinho pulou para o chão e veio em passo rápidos e curtos para junto de mim. Parou. E se dobrou em um ato de submissão. Ficou por lá. E sem jeito, torto e duro como uma tábua de passar, me curvei também, vendo que minha braguilha estava aberta, e a senhorinha a centímetros. Recompus-me e comecei a circular pelo espaço pequeno, mas aconchegante, no meio da Nevski. Como sempre tive meus olhos em minhas mãos, pus a tocar todos os objetos que achava bonito, sendo divididos em razão áurea. Um boneco costurado em seda finíssima, sendo sua cabeça e membros de uma porcelana áurea como a lua cheia. E com um esmero fora do comum, são pitadas faces de chineses diversas e cada uma assumidos um rosto característico. É claro que era uma produção manual. Quantos detalhes! De relance olhei os preços, e não pareciam agredir minhas economias. Cheguei a fundo da lojota tendo me espantado, mas nada que achasse merecedor de estar em minhas obras russas. Afinal, tinha obtido duas garrafas de sua melhor vodka, vinda da água pura dos aquedutos de Granov, uma bactéria advinda do lodo da grande inundação, e o cheiro em meus bigodes e pêlos púbicos de Nastácia Filíppovna, ela mesmo, a musa do príncipe Míchkin. É certo que a tive em seus últimos momentos, já com a boca pútrida das cigarrilhas; mas como era bom, desfilar com ela e a segurar em meus braços quando estava completamente bêbada. E pensar que ela já teve todos os poderosos tanto de São Petersburgo, quanto de Moscou.
Então, o que faria eu gastar meus últimos rublos? Ao virar para ir embora e retornar para boulevard me deparei com a senhorinha, gesticulando muito com as mãos. Será cega e muda? Num impulso me pegou pelas e foi me conduzindo a uma parte onde o teto se aproximava mais e mais do chão. Fui até onde minha testa permitiu, ela me mandou esperar e adentrou mais um tanto. Ela voltou rapidamente parecia que andava em trilhos de trem. Trouxe-me uma caixinha do tamanho de sua mão, toda adornada com dragões - verdes, amarelos, azuis - e eles se combinam numa luta nos céus da Antigüidade, onde o sol brilhava em seus escamas; e me deu com o sorriso mais largo que já vi, beirando chegar às suas orelhas. Voltei para o rol principal da lojinha. Abri a caixa, nela havia uma outra igual, com o mesmo desenho, mas só um pouco menor, só um pouquinho, na medida para caber perfeitamente na maior. E fui abrindo, uma atrás da outra, e para minha surpresa sempre havia uma menor e outras e outras, até cansar. Parecia que a cada uma que abria era me revelado um desejo divino Fui até não conseguir mais tirar uma e dentro da outra, umas minúsculas, onde meus gigantes dedos nunca alcançariam. E de súbito comecei a chorar, igual a quando chorava para minha mãe, pedindo leite. As caixinhas se concentraram, se misturaram e transpõem e seus conteúdos ad infinitum.