GATA DE SALTO ALTO (reeditado)

 

 

...e lá vai ela, Bouquet, felina, se sentindo, única, com seu caminhar lânguido, faceiro, deslizando pela tarde ensolarada. Segue sobre seus passos cadenciados, acariciando cada pedra da calçada. Sua mente está vazia, apenas lembranças de devaneios passados. Seu pelo fofo, macio e brilhante, faz com que ela pareça mais majestosa, como se estivesse de salto alto.

 

Todos, que passam ao seu redor, seguem com os olhos o seu gingado lascivo, ela é o centro das atenções, branca como a nuvem, com olhos verde esmeralda, incrivelmente grandes e fatais. Senhora de seu destino, com sua coleira de ametistas, ricamente lapidadas. Se não fosse por essa coleira, atrelada a uma vivente, sem pudor revestida de dama, tudo seria perfeito. Possui as melhores mãos para lhe acariciar, as melhores rações importadas, acepipes, de dar inveja aos mais refinados paladares, banhos térmicos, um quarto só pra si e, um fiel mordomo cheio de preocupação, para realizar os seus mais delirantes desejos, enfim, muita pompa e circunstância, para uma só gata.

 

Sua dona é uma cortesã de fino trato e clientes abastados e, ela se utiliza de sua linhagem perfeita e bem cuidada, para atrair, homens loucos por agradá-la que permitem que ela, extraia de seus bolsos soberbamente cheios, altas somas, pelos serviços generosamente prestados.

 

Pobres e indefesos homens, não são páreo, para Edite Le Clair, é o nome de sua dona, ela nem sabe, se este é mesmo o nome dela, quando a comprou, ouvira o comerciante de animais finos, chamá-la por outro nome, do qual nem se lembra mais, e isso também não importa, o que vale é que ela lhe tenha dado um lar luxuoso, conforto em excesso, para uma simples gata, tudo bem, nem tão simples assim, seu pedigree é muito raro.

 

Edite, é uma mulher de encantos colossais, longos cabelos negros, lisos e anelados, pela clara, luminosa, sem marcas ou sinais, um corpo deslumbrante e modelar, mas, possui, quadris arredondados, que faz todo homem suspirar em sua passagem. Olhos azuis amendoados e uma boca muito sensual, é jovem ainda, na casa dos trinta, embora já tenha, no costado, muitas histórias para contar. Teve, por certo, uma boa educação, é letrada, conversa sobre qualquer assunto, e fala várias línguas, com clareza e sotaque, impecáveis.

 

Bouquet, não tem ideia, se ela leva a vida que leva, por opção ou por destino. Apenas, em alguns momentos, sua criadagem, seleta e silenciosa a flagra com um ar meio tristonho, mas, com uma taça de champanhe, logo, essa expressão melancólica, passa.

 

A dona de Bouquet, não lhe tem carinho, tem cuidado apenas, a faz de bibelô, para seduzir seus maiores interesses e, a gata, não tem do que se queixar, leva uma vida de rainha.

 

Hoje, com toda certeza, é noite de um grande negócio para Edite, a casa está em polvorosa, os seus serviçais e governanta, estão atarefadíssimos, em limpar, escovar, afofar almofadas, lustrar móveis e prataria, as mais finas iguarias, estão deixando a casa perfumada, uma prévia dos sabores, que sairão da cozinha. Baixelas de prata, com frutas frescas e secas, estão espalhadas pela casa, flores vivas e novas, em vasos de cristal nos cantos da sala, dão um ar primaveril ao covil do pecado.

 

Pelos uniformes, dos empregados, dá para se perceber, que um nobre, está sendo aguardado, pobre mortal, pronto como um inseto, para cair na teia magistral, preparada por Edite.

 

Bouquet, recebeu desde as mais tenras horas da manhã, os mais finos tratos, até banho morno de sais e pétalas de rosas, para que ficasse bem calminha, em seu encenar. Prenúncio das preliminares da conquista. Seu papel, é curto, mas, faz de Edite, uma anfitriã gentil, receptiva e amorosa, fator primordial na hora antecessora do bote fatal. Eis que chega, o nobre inocente, não muito jovem, é verdade, já está beirando os sessenta anos, mas, ainda está em forma, um tanto calvo, traja um terno muito bem talhado, parecendo de um bom estilista italiano, muito falante e agradável. No enredo elaborado por Edite, uma coisa imprevista, acontece. O nobre senhor, era alérgico a gatos, e danou de espirrar sem controle, durante alguns momentos, o que deixou Bouquet e Edite, frustradas, se assim se pode dizer.

 

A abordagem teria que ser outra, primeiro, esconder a gata, depois, abrir todas as janelas, para a ventilação circular, solicitar com urgência, lenços e água para seu convidado, e então serenar, para tomar de novo, as rédeas o seu espetáculo, que estava mais para uma tragédia, do que para uma ópera romântica.

 

Águas passadas, ânimos acalmados, fim do primeiro ato. Tudo volta do intervalo, para a próxima cena, que teria que ser bem orquestrada. Todos os agrados, foram feitos, as carícias mansas e discretas, também. Os aperitivos são servidos, com um bom vinho branco, e a taça do nobre, sendo regiamente cheia, constantemente. Ele está absolutamente, encantando, com Edite, a fêmea, ardilosa, inteligente, e sedutora.

 

Depois da refeição leve e fina, trocaram olhares, sorveram licores e, Edite o levou para um passeio pelo jardim, um lindo jardim por sinal, com um pequeno lago, com carpas decorativas, o que lhe dava um charme adicional. A um leve piscar de olhos, de Edite para sua governanta, os serviçais, sumiram, como por encanto, e um novo ato, mais cativante...envolvente, por assim dizer, o desfecho final, começa.

 

Com muitos mimos pelo caminho, Edite, leva o pobre nobre, para o covil da onça, agora só resta, usar a imaginação. Após algumas horas, de intenso fascínio e suspiros, vindos da alcova, o pobre nobre, distinto cavalheiro, de alta estirpe, sai pela porta de entrada, sozinho, com os olhos brilhantes, o andar trôpego e a cabeça altiva, como que, repleto de satisfação interior. No leito devasso e desfeito, encontra-se Edite, sorrindo, com os olhos frios, e sobre o travesseiro, ao seu lado, enormes maços de dinheiro, sua recompensa, por mais um deslumbrante e ofegante, espetáculo.

 

Bouquet, enfim, é liberada de seus aposentos e vai sondar a casa, fazer sua ronda rotineira, estaca, defronte ao quarto de sua dona, observa, e continua, seu caminho, com seus passos lânguidos, faceiros, com seu pelo branco e brilhante, com sua postura altaneira e distante, majestosa, como, uma gata de salto alto.

 

 

 

 

 

 

 

 

* Originalmente escrito e publicado em 17/11/2011

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 12/09/2023
Reeditado em 12/09/2023
Código do texto: T7883783
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