A SABEDORIA DO DESAPEGO
Valéria Gurgel
Certa vez um sábio caminhava em silêncio por uma praia deserta junto a um de seus jovens discípulos, quando ele lhe perguntou:
- Mestre ensina-me a arte do desapego? Em minha humilde opinião é a mais preciosa de todas as artes!
- Você já construiu um castelo de areia?
- Não, Mestre! Para quê o faria?
São feitos de meras ilusões!
- Construa, cuide, aproveite, desapegue-se! Orientou o Mestre, seriamente. Jamais altere essa ordem.
O jovem sentou-se na areia e começou a engenhar uma suntuosa arquitetura de areia. Aquelas horas que se sucederam, nas quais ele se dedicou àquele grande feito, não teve pensamentos paralelos, viveu e desfrutou daquele momento, não teve olhos para outra coisa. Estava no momento presente. Ele construiu, cuidou, aproveitou... mas a maré subiu, as ondas se agitaram e o castelo se desmanchou.
Frustrado, mesmo já prevendo o que logicamente aconteceria, ele se recolheu ao descanso ali nas proximidades onde estavam em um retiro com demais colegas.
No outro dia, novamente caminhando com seu Mestre, o jovem relatou o ocorrido no dia anterior, na praia e o Mestre outra vez lhe recomendou:
- Vá e construa um castelo de areia! Construa, cuide, aproveite, desapegue!
E o jovem discípulo bastante desanimado obedeceu e construiu outro castelo de areia, ainda maior e mais belo que o anterior. Ele construiu, cuidou, aproveitou e veio a maré e o levou!
Assim se sucedeu na praia por quarenta dias em que passou em companhia de seu Mestre, construindo castelos de areia. Construía, cuidava, aproveitava e se decepcionava quando as ondas o levava sem dó, sem piedade.
Pela quadragésima vez o Mestre o recomendou:
- Construa um castelo de areia!
Dessa vez, o jovem construiu, cuidou, aproveitou e se foi, sem olhar para trás! Já não estava preocupado quando as ondas viessem para destruí-lo e o tomasse dele.
O Mestre o chamou e disse:
- Agora sim, você entendeu!