Por que é tão difícil matar uma barata?

Que nojo! Indo agora ao banheiro antes de me deitar para dormir, ao acender a luz, me deparo com uma barata asquerosa debaixo da pia. Não gosto de matar inseto dessa maneira, mas meu instinto me fez pisar a miserável de supetão. Ao levantar o pé, vi que a mesma permanecia quase intacta e foi necessário que eu a pisasse mais três vezes, até sentir que ela não tinha mais chance de sobreviver. Por que é tão difícil matar uma barata? Suas anteninhas continuavam se movimentando, provavelmente implorando ao deus das baratas que tivesse misericórdia ou, amaldiçoando-me. Condenando-me pelo crime que eu acabara de cometer. Não queria que tivesse terminado assim, mas ela estava me afrontando. Era a terceira vez que eu me deparava com a desgraçada. A primeira vez, perto da janela do meu quarto, a ignorei. Ela vai embora, pensei. Dali alguns minutos, encontro-a novamente, saindo de debaixo da minha cama. Tomo mão do inseticida e borrifo em sua direção, assusto-a com o som fraco do spray, é quando constato que tinha acabado. Mas ela vai embora, pensei novamente. Ela sentiu o cheiro do veneno, já sabe que não é bem vinda nesta casa. Mas não! Ela tinha que voltar para me confrontar. Mas eu a peguei desprevenida. De surpresa. No escuro do meu próprio banheiro, em direção a lata de lixo. Inseto imundo! Que bom que a peguei a tempo. No fundo gostei de ter-lhe matado e livrado dezenas de pessoas das doenças imundas que você poderia transportar. Quanto disso já não o fizera? Você era velha. Grande. Escura. Cascuda. Gosmenta. Mas não consigo não me sentir culpado. Era uma vida, coitada. Que culpa tem de ter nascido barata? Só estava tentando sobreviver, levar comida para seus filhotes. As baratas cuidam dos filhos? E se ao invés de um elemento solitário eu for agora o responsável pela morte de uma família inteira. Espero nunca constatar este fato. Não queria ter te matado, baratinha, mas você sabe do momento que vivemos, estamos todos paranoicos por causa do corona vírus, você já o conheceu? Você o transporta? Se sim, você mereceu morrer mesmo e eu mataria novamente se a encontrasse. Mas com inseticida, preciso comprar mais inseticida. Me sinto menos assassino assim. Amanhã cedo vou ter que lidar com seu cadáver esmagado no meu banheiro. Não a joguei fora. Deixei-a agonizando ao lado do cesto de lixo, olhando para seus próprios órgãos, agora, fora de seu corpo. Que cena terrível terei de lidar amanhã cedo. Se ao menos um outro bicho viesse te levar. Um rato, talvez. Rato come barata? Mas isso me faz ter outro pensamento aterrador: há ratos no meu banheiro? E se ao invés de uma barata descascada, eu tivesse que estar lidando com um cadáver de um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados e morto, quieto, ruivo. Que horror, meu deus! A vida me tornou um assassino cruel, mesmo sem eu o querer. No auge de minha quarentena, ficarei agora confinado com a minha consciência e o pesar do meu crime e de meus prováveis crimes horríveis. Que deus me perdoe.

Thiago W Flores
Enviado por Thiago W Flores em 22/04/2020
Reeditado em 08/12/2020
Código do texto: T6924955
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.