Depressão, depressa, o são...
 
Depressão, depressa, o são, muita vez, contrai! E isso se deu comigo, pois antes de alguns longos meses, sempre estivera hígido, entretanto, foi durante esses meses, que me tornei muito descrente; descrente quase que de tudo. Um vazio enorme enchia o íntimo da minha alma; o mau que estava a corroer-me vivo, brotara em mim, pelo menos, há três anos. Nada em mim contentava-me; por vez, quando pensava que minha experiência de vida tinha algum valor, não conseguia aplicá-la. Passara a metade da minha vida lutando e sofrendo para construir o meu eu; agora, esse não me contentava, ainda assim, tinha receio de perdê-lo, pois, para ser um outro homem, hálito, faltava-me. Olhava para mim, e sentia-me escravizado... Precisava me tornar livre! Liberdade, tinha que dar ao meu eu.
Meus quase cinquenta anos de idade não me davam alento. Quanto ao meu devir, de vir haverá, mas, de onde? E trazendo-me o quê? Tinha eu essas cruéis dúvidas! Certeza tinha que não conseguiria retocar meio século de vida mal vivido, e se pudesse fazê-lo, estaria ocupando-me com o passado, deixando assim de viver o presente, e, sobretudo, renunciando ao meu futuro, ainda que incerto fosse ele.
Faltava-me alguma coisa; para identificá-la, força eu tinha pouca, e menos ainda, dispunha de ânimo. Minha angústia era grande e crescia. Posso dizer que de forma lenta, calor foi perdendo o meu corpo, e minha alma sem poder dele se libertar, foi esfriando pouco a pouco.
Temendo a aproximação do ocaso dos meus dias, por desesperar-me da Terra, caí em depressão, ou, talvez, deprimindo-me, desesperei-me do Céu; então, me dispus a fugir; fugir de quem? E para onde? Morava no Leste, no Sul, meu norte eu poderia encontrar? Receava que isso possível não seria. Se no Leste estava, poderia no Oeste, renascer para mim, um outro Sol? Sem crença, por nenhuma resposta esperava...
Muita vez, enquanto contava os lentos passos das pacientes horas dos meus cinzentos dias, que vagarosamente, se arrastavam às escuras noites, entendia de ficar sentado num dos bancos de uma pequenina praça pública de frente ao meu apartamento; lá, calado por vários minutos, ou até por longas horas, por nenhum consolo, a esperar ficava... Ainda assim, no Céu, que por vez se encontrava cinza, buscava esperança, pois, desesperado da Terra, me encontrava...
Em um determinado dia, quando mais uma vez, encontrava-me naquela praça, o meu pouco desejado, e muito forçado recolhimento, quase nada durou, pois me chamou a atenção um senhor bem idoso sentado à minha frente. O homem estava imóvel com os braços soltos, como que caídos ao lado do seu próprio corpo; as palmas das mãos voltadas à frente estavam dispostas a receber algo, ou de algo estavam a carecer... A cabeça, levemente inclinada à sua direita e para trás, apoiava-se no encosto do banco; mantinha os olhos fechados e a boca semiaberta; seu rosto marmóreo voltava-se ao Sol, quando esse, a voltar suas costas à Terra, já começara.
Fiquei olhando para aquela figura; tive por algum momento, a impressão de estar diante de uma estátua encarquilhada a zombar da luz solar, por pálida que estava. Para esse espectro humano, por muito que olhava, meus olhos viram-me nele, ou o viram em mim... Assim, acordado, a delirar por fraqueza do corpo, ou adormecido, a sonhar por força da mente, fui ficando atemorizado. Atemorizado mais fiquei, quando notei aquela pobre criatura dividindo-se em três fantasmas. Esses, entre si, olhando-me em silêncio, contra mim tramavam uma cilada; em seguida, separadamente cada um deles, voltando-se a mim foi se apresentando, o primeiro pela sua face, sem nada dizer, dizia-me: eu sou o que você poderia ter sido! O segundo, com igual modo, disse-me: eu sou o que você pode ser! Finalmente, o último, sem nenhuma palavra dita, deu-me esta mensagem: eu sou o que poderá ser você!
Por tanto temor, tornei-me também imóvel, entretanto, por curiosidade maior, ou antes, por outro temor ainda maior que o anterior, não permiti aos olhos e ouvidos meus que fizessem o mesmo, ou seja, antes lhes ordenei que vigiassem atentamente, aquelas criaturas, ou melhor dizendo, aquela criatura, que agora, para deixar de ser única, em três outras por se dividira. Estaria esse ente preso pelo sono ou liberto pela morte? Pensei! E continuei a observá-lo. Passaram alguns minutos, quase quarto de hora, e o homem nada de nada mexia.  Intrigado, levantei-me e fui pé ante pé verificar o estado do velho; andei não mais que cinco metros em sua direção, e parei não menos que a dois metros diante dele. Bem quieto estive, ao movimentar apenas os olhos, pude perceber que o seu coração também se movimentava. De repente, sem que eu esperasse, lentamente, ele ergueu a vista, olhou para mim, e disse-me:
— O senhor disse alguma coisa?
Não! Não senhor, respondi-lhe, estou só de passagem. O homem esboçou um pálido sorriso e continuou:
— Amigo! De passagem todos nós estamos... Disse aquela criatura, e continuou:
— Assenta-te! Podemos conversar um pouco?
A voz rouca do velhote, porém suave, despertou-me para a conversa. Perguntei-lhe:
O senhor está descansando um pouco, ou está esperando por alguém?
— Meu filho! Na minha idade, não mais descansa, cansa-se de esperar, quase sempre por alguém, enquanto se desespera...
Tanto estranhei essa resposta tanto quanto desejei conhecer o que poderia justificá-la; por isto, falei:
É! Vejo que o senhor ao ter vida longa, longa experiência, naturalmente, há de ter! E ainda lhe pergunto, o senhor está sempre por aqui?
— Moço! Enganaste, ou antes, só não te enganas, se estás a referir às más experiências minhas, pois meus bons anos vividos estão presos na minha distante e ingênua infância que bem vivida fora; de lá para cá, fui refém de um terrível pesadelo durante cinquenta anos; quando dele me libertei, outro me agarrou e está a me oprimir há vinte e cinco anos. Para que o senhor não me tome por um louco inconsequente, vou te contar melhor minha história:
— Há oitenta e sete anos nasci; vim à luz chorando, porém, não demorou mais que três meses para eu dar meus primeiros sorrisos; fui crescendo e conservando-os; até mesmo quis aumentá-los, para com eles, com frequência, colher bons frutos; para tanto, sempre sob a proteção da minha mãe, contei com um crescimento suave, espontâneo e muito feliz até aos meus doze anos de idade. Durante essa minha querida meninice, eu me descobria, eu me inteirava de tudo que a minha doce inocência permitia.
Todas essas palavras o ancião pronunciou de um só fôlego; depois fez uma longa pausa; talvez para descansar, ou até para pensar sobre o que mais dizer. Recobrados inspiração e a respiração livre, continuou o velho:
— Findou-se a minha infância, principiou a minha adolescência; continuei descobrindo-me, não mais dentro dos limites da pureza, mas aos poucos, sob a tutela da vaidade, fui me aproximando das estremas da malícia. A vida dissoluta, rapidamente, foi ocupando o meu viver. Fui afeiçoando-me cada vez mais à luxúria; quando eu estava inteiramente em seus braços, surgiu a morte ameaçando-me em sonhos; o pouco tempo que tinha para dormir, era tomado por pesadelos. Nos terríveis sonhos, ela — a morte — sempre por de trás de suas horrendas máscaras, apresentando-se a mim, ceifava-me, prematuramente, vida. Meio século de funestas noites mal dormidas a ocupar meus dias, levou-me a desistir de viver; desejar a morte foi colocar termo imediato aos meus pesadelos.
Estas últimas palavras saíram-lhe entrecortadas e melancólicas; em seguida, fez uma segunda e mais longa pausa; talvez para descansar ou até para aliviar a dor pungente de um coração cansado.
Com pouca inspiração e menor ânimo, o velhinho terminou seu lamento dizendo:
— A morte quando me viu livre de suas chantagens, disfarçou-se de vida, e novamente, continuou ameaçando-me em sonhos; nos terríveis pesadelos, ela — a vida — sempre por de trás de suas graciosas máscaras, apresentando-se a mim, ocultava-me da morte...
— Quanto a tua última pergunta — disse-me o velho — qual seja “o senhor está sempre por aqui? Digo-te:
— Por aqui não mais me verás, ainda que possas me ver sempre!
O velho, ao encerrar sua confrangida queixa, recolheu-se à sua postura inicial, fechou novamente ao sol os olhos, e para mim, o coração.
Saí dali, embaraçado com as palavras enleadas daquele homem!
Por grande mistério nenhuma explicação alcancei para aquela escura noite que logo chegou, porém, o dia seguinte, diferente dos seus inúmeros pares anteriores, novamente trouxe-me a luz. Hoje, a tenho em abundância...
 
PS - Ainda que hoje, diante de mim, tenha muita luz, sob a luz da minha razão, não consigo explicar se diante de mim, esteve aquele estranho senhor...
















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Eugene Garrett
Enviado por Eugene Garrett em 13/01/2020
Reeditado em 07/02/2020
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