*Minha primeira vez

Minha primeira vez

A primeira vez de qualquer coisa que dependa de esforço físico terá sempre seus traumas, ainda que pequenos.

Eu estava em Balsas, no Maranhão, num 13 de junho qualquer da década de 80, dia do Padroeiro “Santantoi”, quando, no início de sua maravilhosa apresentação, Luiz Gonzaga se desculpou, dizendo que sua sanfona tinha ficado no Rio de Janeiro e, para aquele show, havia comprado uma sanfona nova. E completou sua fala, para a risada de todos:

-“Sanfona nova é como moça: a primeira vez dá um trabalho da gota!”

Eu tinha acabado de ler o Conto Relato de uma Moto, do professor e escritor Carlos Jaime, quando me deu na cumbuca a ideia de escrever minha primeira vez, que, para ser sincero, nada tem a ver uma coisa com a outra. Só havia um problema: eu não queria ser vulgar com as palavras.

Portanto, daqui em diante, serei apenas o tradutor dos pensamentos do personagem, que me dá a trabalhosa honra da narrativa.

- Sou do sexo masculino, tamanho normal e filho criado sem pais. Na verdade, nem sei de quem sou filho. Hoje posso fazer abertas e veementes críticas ao sistema de adoção no Brasil. É uma exposição física, moral e lamentavelmente imoral. Constrange pela rejeição constante e quanto mais se passam os dias e anos, mais difícil se torna encontrar alguém que nos queira.

Elogios não enchem barriga de ninguém, no máximo alenta uma esperança débil. Ora, elogios de que eu era bonitinho, cheirosinho, que não tinha cabeça dura, que era isso e aquilo, recebi de carradas, mas no final, eu era desprezado e recolhido ao meu cantinho insignificante, à espera de novas oportunidades.

O que mais me irritava era ver aquelas moças de todas as idades me alisando e soltando sorrisos cretinos, dissimulados. Eu me via como uma joia ou uma arma num estojo, à espera de que alguém me levasse embrulhado para presente. Uma joia todos querem, mas nem todos podem; a arma é necessária, ainda assim, seu uso é quase sempre clandestino. Que ódio! Aquela situação tinha que mudar, mas como?

Até que, um dia, chegaram duas senhoras, aparentando idade acima dos sessenta. Falaram com o diretor da casa e este a elas me apresentou, sem muitas cerimônias. Elas não me perguntaram nada, mas ficaram falando baixinho entre elas. Por fim, disseram que voltariam no dia seguinte.

Eu já estava no limite do desespero daquele chove, não molha, que nem ata nem desata. Sabia, por experiência e tirocínio, que aquilo não passava de desculpas, que nunca mais retornariam.

O dia seguinte foi de chuva, daquelas de fazer sapo pedir canoa e cavalo beber em pé nas patas traseiras. Se nos dias normais o movimento já não era tanto, imaginem debaixo daquele toró!

Mas qual não foi minha surpresa, ao vê-las embiocarem porta adentro. Isso me deu uma certeza: mulher quando quer uma coisa, nem o capeta a faz desistir!

A conversa com o diretor foi rápida, porque já estava tudo agendado e encaminhado há bastante tempo, eu é que não sabia disso. Assim, lá fui eu com elas, todo empertigado, livrando-me para sempre daquela espera chata e humilhante.

As duas senhoras eram irmãs gêmeas, univitelinas, solteiras e moravam num casarão bem iluminado da rua N... Tinham duas empregadas durante o dia, mas à noite ficavam sós.

Como a primeira noite e a primeira vez ninguém jamais esquece, lembro-me de que uma me levou para dormir na sua cama de casal, muito bem perfumada e linda. De repente, ela começou a me acariciar, beijou-me a cabeça e fez uns movimentos peculiares...

Nunca eu tinha me sentido numa situação tão estranha como aquela. Pela primeira vez, eu era de fato e de direito um objeto de prazer. Para ser mais preciso, nem sei se de prazer, pois a moça não só gemia, como gritava baixinho.

Peço desculpas por não entrar em mais detalhes, não seria coerente com meu tradutor, que tem o sexo como um dos seus assuntos não preferidos, embora goste muito.

Ah! Antes que me esqueça, eu me chamo “Vibrador feminino”.

PS.: O que conhecemos hoje como vibrador feminino foi inventado em 1869, pelo médico norte-americano George Taylor, numa época em que os desejos sexuais femininos eram reprimidos e tidos como indecentes. Para muitos, os desejos das mulheres eram encarados como doença e Dr. Taylor encontrou a cura. A verdade é que muitos sintomas como insônias, ansiedade, irritabilidade, dores de cabeças e similares ocorriam por falta da satisfação sexual plena.

Mas parece que hoje esses sintomas se inverteram. Não faz muito tempo, mulheres com sintomas de ansiedade eram tachadas de histéricas, como se estivessem com “falta de homem”. Ainda hoje, a histeria é tida por muitos como uma dependência de sexo.

Os primeiros vibradores funcionavam a vapor, depois à manivela, posteriormente à eletricidade e hoje, à pilha. A evolução da medicina também serviu para apagar conceitos errôneos sobre a sexualidade feminina, pelo menos em parte, pois é sabido que não são poucos os homens que ainda se encontram na idade das cavernas.

Gostaria que mulheres e homens, especialmente estes, pesquisassem mais sobre este tema.

Ass: Vibrador Feminino.