O VELHO RENASCENTISTA OU O VÉI COCONHA

Giotto Vici di Roterdã, nome dado pelo seu avô, Genovês que tinha a mente ainda no tempo em que as coisas novamente renasceram, foi um menino exemplar. Estudou arquitetura naval, e era muito bom em matemática e astronomia, virou padre, brigou com a igreja, viajou o mundo, acumulou fortuna, com comercio de quase tudo que desse dinheiro, teve inúmeros filhos, casou-se. Já aposentado, de viagens e fortunas, veio se instalar no Brasil.

Muito simpático, fez vários amigos na cidade de Itabuna onde veio residir e ficou conhecido como o véi Coconha, ou o velho renascentista; ele era um desses homens de idade avançada aparentando ter bem menos, tão comum, mas ao mesmo tempo não: o “Comum-exótico”. Tinha um interesse por quase tudo, menos religião: Protestante por conveniência, não possuía muita fé, sua crença estava voltada para números e ciências. Como possuía talento, muito tempo e dinheiro, aprendeu a desenhar e a pintar perfeitamente, seus quadros eram quase fotografias, imitação perfeita da natureza; seu ideal era somente a beleza nos moldes gregos e romanos; e podia se perceber, também em seus quadros, preocupação com a perspectiva, resquício da matemática e geometria de sua formação; Seus temas preferidos eram a natureza, o corpo humano e pessoas das classes mais privilegiadas; quem exercia algum tipo de poder ou possuía status social; Belas mulheres eram constantes em seu ateliê, que ficava em outro bairro, convenientemente longe de sua residência. Por causa disso, enciumada, depois de várias discussões sua esposa o deixou. Depois de pouco tempo,recuperado da separação, abandona a pintura e se dedica a fotografia, com os mesmos temas: A beleza do corpo humano, a natureza. e o luxo dos ricos. Pela internet descobriu a selfie e passou a postar fotos suas, de corpo e alma, no facebook. Daí a alcunha de velho renascentista.

Cada vez mais mergulhado em redes sociais, discutindo ciências, hiper realismo, conceitos de arte e beleza, literatura, filosofia, teatro, inquisição católica, papel da imprensa, postando e recebendo nudes, Giotto conheceu um grupo de jovens bastante radical, quase antagônicos às suas práticas e crenças. Era um grupo que buscava novas experiências; alternativos: Queriam outras sensações. Um encontro foi marcado: Uma hora da madrugada, na praia da concha, em ilhéus, dia de segunda-feira. No dia e hora marcados, todos à vontade, devidamente drogados e com o libído à solta, Giotto se sentiu no paraíso, aquilo era o beijo de Judas para ele. Nem um pouco envergonhado, deu início às suas combinações: Drogas, filosofia, definições dogmáticas e narcisismo. formou-se então um sensual luau, movido a muita exposição de partes íntimas, músicas e drogas. depois dos exageros, Giotto teve um surto psicótico.

Levantou-se e, sem roupa, foi em direção ao mar, caminhando por entre as ondas, sentia que estava flutuando em uma concha,Tal qual a Vênus cabeluda e ruiva, idealizada e amada; Zéfiro soprava, e a imaginada concha flutuava em direção a um lugar, que depois, com o deus dos ventos, ele entendeu ser Coconha; De longe viu a Europa, mas o vento soprava para mais longe, em uma direção que ele não conhecia, Um poema, ditado pelo vento ressoava em seus ouvidos.

“Creio que Deus e todos seus santos

Abençoaram-na e sagraram-na mais

Que qualquer outra região.

O nome do país é Cocanha;

Lá, quem mais dorme mais ganha.

As pessoas lá não são vis,

São pelo contrário, virtuosas e corteses.

Seis semanas tem lá o mês,

O país é tão rico

Que bolsas cheias de moedas

Estão jogadas pelo chão;

Morabintos e besantes

Estão por toda parte, inúteis:

Lá ninguém compra nem vende.

As mulheres dali, tão belas,

Maduras e jovens,

Cada qual pega a que lhe convém,

Sem descontentar ninguém

Cada um satisfaz seu prazer

Como quer e por lazer;

Elas não serão por isso censuradas,

Serão mesmo muito mais honradas.”

Seu corpo, ora para um lado, ora para outro, ao sabor das ondas do mar, já ia longe, para o oceano; quando foi resgatado por um barco de pescadores, do município de Canavieiras, que o levaram para o hospital. No mesmo dia o noticiário da televisão deu a seguinte notícia: “Encontrado o milionário Italiano desaparecido há 03 dias, no litoral do Sul da Bahia. Está sob cuidados médicos, mas passa bem, sem risco de morrer. Ele foi encontrado sem roupas, em estado alterado, falando em uma língua diferente, disseram os pescadores que o encontraram; Acredita-se que a língua fosse o Italiano arcaico. As autoridades locais investigam um grupo de estudantes, vistos com ele, no dia do seu desaparecimento. Outra linha de investigação é sua ex-esposa, a francesa Maria Spinoza, que não teria ficado satisfeita com a divisão dos bens”.

Bastaram apenas poucos dias no hospital, para ele retornar à sua conhecida vitalidade, mas não era mais o mesmo. Coconha havia sido impregnada em sua alma, A experiência com aqueles jovens fez ele repensar e reavaliar conceitos. Sua vida de distropia, era tão ilusória quanto a religião que ele tanto desmerecia. Era um mito, uma terra de aparências, onde somente poucos podiam viver, terra pisada somente pela alta burguesia. Mesmo sendo rico, ele carecia de utopia, uma que fosse mais democrática e abrangente. sem ela, a vida era uma ilusão, um engano racional; um palácio de mentiras do jovem Buda.

Sentado em sua cabana, na praia da concha, em Ilhéus, o novo hippie, véi Coconha, oferece agora, ajuda espiritual, conselhos, “medicamentos”, sexo e sabedoria. Romântico e humanista, terças e quintas, às tardes, trabalha como voluntário, na periferia da cidade:Com amantes perdidos, jovens desiludidos, e todos os encaminhados para o fracasso. Oferece a eles Coconha: Um possível lugar, uma terra a ser conquistada, com estudo, trabalho, política e arte. Continua postando nudes, mas não mais de corpos, e sim das injustiças dos homens; não acredita mais na perfeição humana e em muitas coisas que eram base da sua fé. Se reconciliou com a religião e hoje é devoto do Santo Daime. Continua fazendo filhos, centenas. acredita-se, milhares. Giotto Vici di Roterdã, nunca morrerá, mudará de aparência somente, e certamente também continuará sendo uma possível e razoável metáfora de nossa complexa sociedade renascentista-pós modernista.

.Ivan Rodrigues dos Santos

REFERENCIAS

Roselys Izabel CORREA DOS SANTOS, O País da Cocanha.Emigração Italiana e Imaginário.

Simoni, Karine; ALÉM DA ENXADA, A UTOPIA:A COLONIZAÇÃO ITALIANA NO OESTE CATARINENSE;Florianópolis, março de 2003

Iluminismo radical - a Filosofia e a construção da Modernidade (1650 - 1750)

Autor: Israel, Jonathan I. Editora: 2009;: Madras