COISA DE LOUCO
No começo, Claudio se limitava a andar nu. Despia-se onde quer que a crise lhe sobreviesse, urinava e saía. Nada mais que isso. Mais tarde passou a gritar e estando quieto em algum lugar, de olhos fechados, dir-se-ia dormindo ou meditando profundamente, despertava, de repente, saía correndo e só parava quando lhe faltavam as forças. Então caía desfalecido.
Aos dezesseis anos foi internado pela primeira vez no manicômio Colônia Santana. Dez meses depois, regressou, aparentemente são. O tratamento a que fora submetido lhe aquietara o espírito por cinco anos. Até casou e tornou-se pai.
Há poucos dias, porém, foi acometido de uma recaída, durante o trabalho. Brigou com os colegas, bateu no chefe e voltou nu para casa. Á noite saiu à rua e, desvairado, gritou até o amanhecer, depois voltou ao trabalho, na serraria, agindo como se nada houvesse acontecido. O patrão, receoso, não fez nenhum comentário e o deixou tranquilo, trabalhando naquilo que sabia fazer muito bem.
A família, preocupada, reuniu-se para deliberar sobre que atitude tomar. Claudio estava calmo, é verdade, no entanto poderia, a qualquer momento, cometer uma besteira grave. Precisariam fazer alguma coisa urgentemente. Seria imprudente permitir que passasse a noite sozinho com a esposa e o filho recém-nascido.
Teriam que levá-lo de volta ao hospício para novo tratamento. O problema estava em como convencê-lo, já que não admitia nem ouvir falar em Colônia Santana. Quem o convenceria?
A sorte caiu sobre o irmão mais velho, Pedro, ao qual, por alguma razão, Claudio sempre obedecia.
Pedro procurou o irmão e compadre à hora do almoço, usou de astúcia, falou com cautela:
- Compadre – começou - há algum tempo que ando meio adoentado, esquisito, esqueço-me das coisas, fico tonto e a troco de nada perco a paciência. Acho que o compadre poderia me ajudar.
Para servir, Claudio estava sempre pronto, ainda mais em se tratando do irmão, a quem devia muitos favores.
- Claro, compadre! De que forma posso ajudar?
- Estou pensando em fazer um tratamento, até já combinei com a Isabel. O difícil é que não conheço nada para fora daqui. Como é que posso ir sozinho para tão longe e descobrir onde fica o hospital que trata dos nervos? Foi assim que pensamos no compadre, que já esteve por lá e conhece aquele pessoal todo.
A ideia de voltar àquele hospital arrepiou Claudio e o deixou nervoso, mas era para ajudar o irmão. Pensou durante alguns minutos e respondeu decidido:
- Eu vou com o compadre. Conheço bem aquilo lá. Sou amigo dos médicos e posso apresentar o compadre a eles. Quando viajamos?
- Amanhã.
Combinaram tudo e partiram, o louco escoltando o são.
No hospital, Claudio aconselhou o irmão a esperá-lo na portaria, que ele iria procurar seu amigo médico.
Pedro ficou tranquilo, certo de que, em poucos instantes, deixaria Claudio aos cuidados daquela casa. Pedro jamais sonhara com surpresa tão desagradável, nem nos piores pesadelos. De repente, sem mais nem porquê, viu-se agarrado por dois grandalhões que o arrastaram até a presença de quem deveria ser o tal médico, amigo do irmão.
- É esse mesmo meu irmão Pedro, doutor, ele não está nada bem, muito doente mesmo. Tomem cuidado, que ele pode reagir com violência.
Quando Pedro saiu da estupefação, era tarde. Claudio estava deixando apressadamente o local. Valera-se da confusão para escapar.
- Doutor, não sou eu o louco, gritou Pedro em desespero, é ele, meu irmão, que já esteve aqui. Eu sou são! Peguem-no que está fugindo! Por favor!
- Eu sei, respondeu o médico.
E continuou o procedimento. Já estava habituado com aquele tipo de reação, muito normal entre os doentes que eram conduzidos àquele manicômio. Ninguém queria ficar.
Pedro se viu perdido e protestou veementemente, gritou, esperneou, mordeu, mas foi subjugado, metido numa camisa de força e posto para dormir.
Acordou-se grogue, não sabe quantas horas depois e olhou para todos os lados, como um animal acuado. Caiu em si e chorou como uma criança, cercado de loucos.