Desassossego

Nos confins dos conflitos, a pulga que atormenta o cérebro na coceira da razão, penetra a mente dos mais desrazoados. Na calada de uma noite de uma noite falante, onde os estampidos de projéteis que se projetam sobre telhados de zinco, é possível antever a beleza da tragédia. Dizem que seria quase naquele mesmo horário da última sensação. Atravessando os vidros de um espelho trincado, que solta suas fagulhas nas vistas temperadas. Nos moldes que as bonecas de carne permitem, com todo aquele sangue retido, a ponto de escoar por uma mínima fissura, insinuada através de cada cavidade, cada poro. No compasso do polegar que indica uma trajetória ao apontar. A geometria de gente sem simetria. Os cílios despetalados, que voam no espaço, pousando sobre algum objeto comido por cupins. Escorrendo pelas curvaturas das maçãs faciais, até gotejar no busto de de mamilos tesos. Retesando o orvalho duro das lágrimas sereno, que são econômicas quando chovem. São nuvens cascatas que liquefazem um cristal único, de tempos em tempos, na pretensão de se fazer diamante.

Os rostos de bonecas, que são passivos a paisagem que engole sua estética, deformando o que anima e criando esse estado cadavérico, inanimado. Pisando sobre esteiras que conduzem as passadas, no declive de um hemisfério inalcançável. A sensação de não sentir mais nada. O quase desespero que faz viver em suspenso. Estalando as falanges que se despedaçam. Sob o sol morno de lamparinas repletas de insetos orbitando ao seu redor. Todos vagam o lume. Enquanto a noite da sombra espera nas bordas, como uma alcoviteira. Ignorados pelo dorso nu que empareda a impressão em uma pele tatuada, marcada pelos aguilhões de vespas mecânicas, introjetando o ferrão artístico, abrindo a carne para criar sua tela. Compondo o corpo cela que isola a alma para uma melhor domesticação. A morte marginal habita a periferia da vida, ao amparar os que desamparam seus corpos. No fim sobram os ossos, cruzados ou não, encerrados em um caixão, enterrado sob o chão sem direção.

Uma ebulição se anuncia, com braços de bastão espalhando ideias. Cada grupo diz ser tudo, embora formem apenas um todo. As frases crescem a medida que ganham palavras, como se fossem próteses que satisfazem a ambição fálica dos prolixos demagogos, buscando aumentar seu órgão de penetração nas massas, usufruindo de um gozo egoísta e de sêmen improdutivo. Fechando livros sem páginas, com a esperança de compor estupendas estantes de belas capas, com grossos volumes estéticos. Tudo sob a supervisão de imensos crânios, muitos deles calvos, não permitindo nem sequer aos cabelos interferirem em suas ideias. Enfileirados como manda a ordem do que é rotina. Cada pessoa disposta em um lugar, como gavetas encaixadas, umas abertas, escancaradas, com peças íntimas à mostra, para desgosto do comedimento. Em um abrir e fechar de pernas, se vaginiza cada compartimento. Formando um coro de corrediças, decepando dedos intrusos e criando conexões entre público e privado, nos descaminhos do desassossego.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 15/06/2014
Código do texto: T4845617
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