O Padeiro
Esta é a história de Onofre. Alguns dirão, “e eu com isso?”. O fato é que se trata não de quem, mas do que. Um trabalhador que fornece o alimento diário que adentra os lares das famílias. Sua profissão, padeiro. Homem de pouco estudo e muita disposição para colocar a mão na massa. Aprendeu seu ofício em um curso técnico, quando já estava quase desistindo de ser alguém nessa vida. se tornou um perito, sendo muito requisitado pelas panificadoras. Conseguiu um emprego em um estabelecimento renomado, trabalhando como empregado de confiança do Sr. Manuel. Claro que é clichê dizer que o dono de uma padaria é português, mas se não fosse algo corriqueiro, não teria se tornado clichê. As fornadas eram muito apreciadas pela freguesia, que tecia elogios aos funcionários e faziam questão de construir uma longa fila antes mesmo do raiar do sol. A padaria lucrava e a clientela crescia satisfeita. Tudo ia às mil maravilhas, como todo bom comerciante faz votos. Freguês feliz e lucro no bolso, eis a chave do sucesso.
Entretanto, Onofre possuía um problema na execução de seu ofício. Desde quando aprendeu os primeiros passos da profissão, que não conseguia fazer uma rosca sem queimá-la. Na padaria, só não foi demitido, porque o restante do seu serviço era impecável. Mas na hora de servir sua rosca, a coisa complicava. Alguns fregueses, apreciadores de rosca, reclamavam e diziam a boca pequena que o padeiro era o maior queima rosca. O homem lutava contra essa sua imperícia e procurava todos os dias, treinar em casa. os vizinhos estavam acostumados com aquele aroma de rosca queimada que invadia as casas. As migalhas da receita mal sucedida, era jogada aos cães da rua, que não dispensavam mordiscar uma rosquinha, ainda que carbonizada. Mudou seu forno, alternava o tempo de espera, modificava a receita. Nada adiantava diante desse fenômeno de queimar rosca, que era algo mais eficaz do que seus deliciosos quitutes. Se desesperava diante da tragédia anunciada. Estava decidido a deixar de ser padeiro, caso não conseguisse modificar essa sua frustração.
O Sr. Manuel, compreensivo e sabedor do lucro que o funcionário lhe garantia, deixava o coitado se arriscar na cozinha, ainda que descontentasse alguns fregueses, que saiam resmungando por não conseguirem uma rosca descente no estabelecimento. Outros padeiros foram proibidos de fazer a tal rosca, para não causar embaraço em Onofre. Foi quando um perito em rosca, a pedido do português, fez uma visita ao acaso e se apresentou como um professor de culinária avançada. Onofre, empolgado, se dedicava as lições de rosca, tomando conhecimento a respeito do manuseio, que foi colocado como sendo essencial nesse tipo de receita. O tal especialista, disse a ele que não adianta afobar e querer logo colocar a rosca à disposição do freguês. Era preciso ter paciência e utilizar os dedos com sabedoria e desenvoltura. Depois de meses e aulas práticas, o grande dia chegara. Mais uma vez a frustração. Não se sabe como ocorreu. Algo inflamável provocou um incêndio que não pode ser controlado. Onofre resistiu e permaneceu no estabelecimento. Acabou carbonizado, com rosca e tudo. Em sua homenagem, aquela padaria passou a só produzir rosca queimada e as pessoas consumiam e diziam ser apetitosas. O nome estampado na fachada, “Panificadora Rosca Queimada”. Naquela semana do enterro, os padeiros da região ficaram de luto e nenhum deles liberou a rosca, como forma de homenagear o honrado companheiro.