Perdendo a Paciência

Foi em uma quinta-feira. Estava diante do caixa de um supermercado. Sempre tão calmo e confiante diante das adversidades. Quando de repente, uma raiva súbita por um troco errado e mandou o sujeito à merda. O funcionário, ficou tão espantado que nem conseguiu retrucar. Chegou diante do espelho retrovisor do carro e percebeu, de forma bem discreta no seu rosto, que havia perdido a sua paciência. Sentou no banco do carro, com a porta entreaberta e começou a pensar. Lembrando-se que ontem ainda estava com a paciência, até foi xingado por um rapaz no sinal, que pedia uns trocados. Deitou com a música alta do vizinho e seu sono foi tranquilo. Acordando disposto e verificando que não havia mais leite na caixa vazia que havia deixado dentro da geladeira. Até mesmo um dia antes, quando uma criança quebrara sua vidraça e o chamara de corno, ainda se mantinha intacto. Mas agora, estava sem a sua companheira de muitos anos. Uma pessoa o olhou de rabo de olho e perguntou se havia perdido o cu ali dentro.

Entrou no carro e partiu. Encontrou logo uma pessoa lenta em sua frente, começou a buzinar e fazer gestos com o dedo médio. Atravessou o semáforo no vermelho, fazendo uma sinfonia de buzinas e gestos, com pessoas de expressões raivosas dentro dos outros veículos. Parou em fila dupla e entrou no shopping para perguntar sobre uma fatura indevida. Chegou na loja dizendo que a atendente era uma biscate. O gerente veio e foi chamado de veado. A confusão se instaurou. Os seguranças vieram e contiveram o sujeito, que os chamava de malditos e distribuía socos e chutes no ar, sendo suspenso do solo pelos homens. A polícia veio e a confusão foi parar na delegacia. O guarda ainda fez uma autuação por estar estacionado indevidamente. O guarda foi chamado de pela saco do governo. Na delegacia pesava uma acusação de desacato a autoridade. Encontraram o distrito tranqüilo. O delegado veio tentando acalmar os ânimos. O sujeito explicou que perdera a paciência e não havia notícias a respeito de onde poderia recuperá-la. O delegado olhou espantado e pediu que relatasse o fato para que pudessem fazer o boletim de ocorrência.

Notando que não daria em nada, pediu que o delegado enfiasse o relatório no rabo. Foi preso sob uma saraivada de pauladas dos cassetetes ávidos por um couro naquele dia calmo. Machucado e jogado em uma cela, um dos presos veio prestar auxílio, dizendo que chegar naquele estado era um absurdo. Mandou o detento lamber merda. Acabou levando uma surra dos presos e sendo currado por um careca que parecia ser o líder. Mudaram-no de cela para que não fosse morto. O julgamento chegou. Perante o único advogado, que ainda desejava representá-lo, disse que o magistrado era corrupto e tinha cara de pedófilo. E mais, que seu advogado era do tipo que tirava pelos do cu com uma pinça. Foi trancafiado em um manicômio judiciário. Já começara a contar as rachaduras das paredes, com as fortes doses de medicamento que injetavam em suas veias diariamente.

Um remoto dia, talvez uma terça-feira, quando estava lendo um livro, “O Alienista”, de Machado de Assis, que um dos detentos havia lhe emprestado, por ter sido o único ali a peitar os enfermeiros. Encontrou sua paciência. Nunca imaginara que iria parar ali. Estava no pátio, próxima ao muro, ao lado de uma caixa de esgoto e o mal cheiro não obscureceu a descoberta. Logo o sorriso veio em seus lábios, indo correndo ao encontro dessa amiga de outras épocas. Muito teriam a discutir. Que importam as palavras, o encontro valia mais do que as explicações. Sim, desejava saber porque o abandonara por tanto tempo. Os médicos logo suspenderam sua medicação e dentro de poucos anos estava nas ruas, com laudos que comprovavam seu período em crise e a recuperação que fizera desse ex-detento um novo homem, pronto para voltar à sociedade e contribuir com a mesma. Encontrou seu apartamento abandonado. Mas agora, com sua companheira e amiga, seria fácil colocar tudo em ordem, mesmo estando desempregado e com as finanças escassas. A paciência lhe dava esperança e acalentava sua dor nos momentos de desespero. Estava feliz novamente e ficou um final de tarde observando o sol se por. Apenas ele e ela. Ali. Juntos. Unidos. Pacientemente.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 08/01/2014
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