UMA AULA INESQUECÍVEL
(Samuel da Mata)

Eu estava dando aula de física para uma turma de terceiro ano do segundo grau da rede pública a noite, no ano de 1980. Mal acabara de fazer a chamada, uma dúzia de marmanjos já se dirigia a porta de saída quando eu disse:
- Alto lá, hoje ninguém vai sair da sala, não!
- Que é isso professor! O senhor não sabe que a lei nos garante o direito de sair da sala para fumar a hora que bem desejarmos?
- Claro que sei, mas hoje ninguém vai sair, eu trouxe cigarros para quem quiser e podem fumar na sala à vontade. Alias, a nossa aula hoje será apenas um gostoso bate-papo. Trouxe cigarros, chicletes, revistas da Playboy e da Contigo, podem se servirem a vontade.
A aula virou um alvoroço. Logo todos estavam na maior folia, quando eu interrompi.
- Quem torce pro Flamengo? E pro Bota-fogo? Quem gosta de novelas? Que gosta de jogar uma peladinha? Quem gosta de forró? Quem gosta da feira do priquito? E assim por diante. Cada pergunta era seguida de um coral de adeptos num barulho ensurdecedor. Por fim, já depois de uma meia hora de farra, eu mudei de assunto:
- Quantos aqui têm menos de dezoito anos? Ninguém se manifestou.
- Quantos aqui tem menos de 21 anos? Apenas duas meninas levantaram a mão. Então, um dos mais afoitos disse:
- Vamos lá professor, desembucha, aqui não tem crianças, podemos conversar sobre qualquer sacanagem.
Então eu prossegui:
- Quantos aqui o papai ou a mamãe veio trazê-los à escola hoje?
_ Qualé professor, tá zoando com a gente?
- Engraçado. Ninguém aqui é criança; todos gostam de mil e uma coisas legais para fazer a noite e, no entanto, vem para a escola para ficar do lado de fora da aula sem aprender coisa alguma. Eu, particularmente, só faço aquilo que gosto, mas não perco meu tempo simulando que quero aquilo que de fato não estou disposto a fazer. Se vocês fossem crianças, eu entenderia, mas como adultos, o que vieram fazer aqui? Estudar com certeza não foi, então não entendo a vossa inconsistência de propósitos.
- Ah professor, nós estamos cansados, Demos um duro o dia todo hoje. Ninguém aqui é filhinho de papai.
- Entendo bem o que vocês dizem, porque também não sou filho de papai. Aliás, eu moro daqui a 50 km, vou sair daqui as 23 horas, vou voltar para casa de ônibus, já trabalhei hoje de tarde outro emprego, faço 24 créditos na Universidade pela manhã onde lá estarei as 7 horas e sou casado, pai de dois filhos. No entanto, toda quinzena eu faço prova sobre algum livro que é muito maior do que este que eu passo um ano aplicando o conteúdo a vocês. O problema não é o berço, meu pai é operário e tenho oito irmãos, minha situação não é diferente da de vocês. A questão é outra, ninguém é culpado de nascer na merda, afinal ninguém escolhe onde nascer. O problema é que vocês gostaram de viver na merda e se deliciam com ela, porque na verdade já são todos uns merdas mesmo. Arranjam mil desculpas para justificarem o porque estão na merda, mas não fazem o mínimo esforço para sair dela. Estão aqui reprovados pela segunda ou terceira vez e, certamente ficarão mais uma porque estar na merda é de fato o desejo de vocês. A aula está encerrada!
Samuel da Mata
Enviado por Samuel da Mata em 31/10/2013
Reeditado em 07/09/2015
Código do texto: T4549803
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