SUFOCO
Era o terceiro dia de aula. A personagem é uma professora nova de dezoito anos cheia de expectativas e pior, necessitada daquele trabalho na Zona Rural, longe da cidade, muito mato, muito verde. Até gostoso aquele ar diferente da cidade grande. Mas ela tinha medo. Não havia estradas para chegar até a escola. Era um caminho tão estreito que se alargasse as passadas e os pés ficaria dentro do matagal. Tantos foram os seus pensamentos enquanto tentava visualizar o que estava mais à frente!Arrependeu-se de não ter chamado uma daquelas crianças para acompanhá-la. Negou a companhia delas talvez porque sejam muito falantes durante o trajeto ou talvez porque queria provar não se sabe pra quem que era corajosa. Enxergou um movimento estranho atrás de um pé de Jatobá. O coração ficou a mil por hora e já estava preparada para correr. Pra onde meu Deus? Ela pensava. Faltava ainda uma caminhada de uns quinze minutos para chegar até a escola. E ela tinha que estar lá. Teria que lavar a sala, preparar o lanche e a aula. Era uma escola com uma professora que fazia tudo: merenda, limpeza e ensino para todas as séries. Novamente um barulho atrás de um cupim .Já ia gritar e viu a cabeça do cachorro da casa onde estava hospedada. Totó, Totó dizia ela aliviada e agora cheia de coragem. Se o cachorro a acompanhasse então não ficaria mais assustada de estar só numa selva como aquela. Mas o Totó nem queria saber. Não tinha afeto por ela e parecia estar muito feliz em vagabundear por todos os lados. Apressou as passadas a fim de aproveitar a presença do cachorro. Agora chegava perto de um pasto onde a vegetação era mais rala e rasteira. Ali estaria mais protegida. Ao pisar no gramado visualizou a escola uns quinhentos metros à frente e no pasto, centenas de vacas. Parecem pacificas ela pensou. Estavam tão quietinhas na atividade de mastigar e arrancar capim que nem a veriam. Assim ela pensou. Não tinha muito medo deste animal grande, quieto. Foi então que ela viu. Não conseguia sair do lugar. Novamente o coração disparado e sem saber o que fazer. Um enorme boi caminhava apressadamente em sua direção. O que fazer?Parecia um campo de guerra delimitado por aquele animal assustador. Teria que retornar. E onde estaria agora aquele cachorro. Evaporou no momento da situação. Bichão de olhos grandes como jabuticaba, muito negros não parecia bravo, mas também nem um pouco pacífico. Cada trotada fazia tremer o chão e até podia ser que o boi não fosse fazer mal a ela, mas o que lhe dava a incerteza era aquela cara de boi sem ódio e sem amor. Um desapegado, entretanto apegado à seu harém de vacas.Estaria protegendo-as?O pavor era grande. Bicho tem capacidade de perceber o cheiro do medo e era exatamente o que a professora exalava. O boi apressou os passos. Agora já iniciava a correr. Ela também correu. Perdeu o primeiro sapato quando saiu da estrada e deu de encontro ao um toco. Nem se importou com pedaço da saia que ficou agarrada a um graveto seco de lobeira. Sentia um vulto atrás de si e trotadas muito próximas. Estariam as vacas também agora conduzidas pelo chefe ruminante também atrás dela?O desespero era tanto que disparou para uma mata próxima. Perdeu o outro sapato ao tropeçar numa pedra. O lugar era muito fechado e cheio de cipós. Foi ficando arranhada e desesperada agora para achar de novo o caminho. Não se lembrou de gritar até mesmo porque não adiantaria. Quem estaria no meio daquele matagal àquela hora. A mata era tão densa que parecia ser noite. E o pior um animal estava enlouquecido atrás dela. A professora desesperada corria sem rumo e muito mais de olhos fechados do que abertos. Deu de encontro com uma árvore caída e também caiu. Criou coragem e olhou para trás. Não havia nada. Aliás, nenhum bicho, nenhum barulho. Era apavorante olhar ao redor e não reconhecer o lugar, uma saída. Trêmula, levantou devagar e foi andando desnorteada. Pensou que o melhor caminho seria para o lado que parecia uma subida e estava certa. Andou uns cinco minutos que lhe parecera meia hora e estava de novo em outro pasto. Sem vacas, sem boi. Viu uma cerca e do outro lado para seu espanto uma estrada. Os donos da casa onde estava hospedada disseram que não havia estrada para chegar à escola. Mas ela pôde ver bem ao longe uma construção familiar. Era de fato a escola. Ao olhar para o braço para verificar as horas: perdeu o relógio. Ao passar a mão no cabelo notou o emaranhado de folhas, pedaços de paus todos embaraçados no cabelo encarapinhado. Sentou-se no chão para se acalmar. Não podia ir à escola naquele momento. Teria que voltar pra casa onde todos lhe eram ainda estranhos. Bateu-lhe um sentimento de descrença da profissão, do trabalho. Pensou em desistir. Lembrou-se da mãe tão feliz de tê-la como professora e de finalmente ajudar nas despesas da casa. Levantou de uma vez rumo à escola. Marchava agora cheia de dor pelos pés descalços e arranhaduras pelo corpo. Haveria de dar tempo de começar a aula. O Totó reapareceu e foi caminhando atrás dela. Quem sabe para assegurar que ela chegasse ao seu destino.