Insólito

Estamos em uma espécie de plataforma de embarque. Rostos conhecidos se cumprimentam em adeuses curtos. Poderia ser qualquer dia. O decreto de um falecimento, recebido como notícia corriqueira. Todos reunidos dentro de uma espécie de cabine, as instruções de colocar o cinto de segurança antes da decolagem. Ao procurar o cinto, o conhecido ao lado informara, que encontrava-se atrás da poltrona à sua frente. Tateando a superfície, consegue esticar dois fios de cor cinza, trazendo-os junto ao peito. Não encontrando conector em seu assento, nem nas imediações, grudou-o junto ao tórax, comprimindo-o. Conseguira visualizar o deslocamento da paisagem, tendo a visão dianteira, que transmitia uma pista congestionada.

Com manobras rápidas, ocorreu o desvio no último instante de um caminhão que vinha em sentido contrário. Aquela sensação que parece formigar dentro de si, quando somos lançados abruptamente. Pode sentir o corpo sendo arremessado contra o assento. Em seguida, adentraram uma espécie de hangar. Fora anunciada uma nova decolagem. Quando era possível ver novamente as imagens da paisagem, passageiros gritaram pedindo que abaixassem a porta lateral, que fazia recordar aquelas peças, que deslizam como corredeiras mecânicas em lojas de comércio. Sua cor branca, com diversos orifícios que davam a visão, um aspecto de olhar fragmentado. O espetáculo como de animais trazidos em caminhões com frestas para ver o mundo passando, como sendo arrancado dos olhos a cada visão. Ocorrera o aumento da velocidade e mais gritos, quando finalmente a porta se abaixara.

Ainda grudado aos dois fios retirados da poltrona à sua frente, sentiu uma inclinação totalmente vertical, com a pressão gravitacional sobre o encosto. O medo fez com que fechasse os olhos, mas a necessidade de ver, obrigaram que abrisse, vendo surgir o céu escuro e estrelado. Com uma rotação de 360º, que foi possível contemplar o sol, que brilhava sobre as nuvens. Voltando ao sentido vertical, mas agora, em queda. Preso com tamanha força aos fios cinzas, como se fossem sua última esperança. O ar violentava a face exposta. O estômago contraído ao máximo, pelo pavor de cair.

Já começara a sentir reações pelo corpo, expelindo cuspes grossos que se espalhavam pelo solo, formando pequenas porções. Cada vez maiores as porções, a ponto de tornar-se um vomitório. A baba escorria pelos lábios que não continham o fluxo, escorrendo pelos fios de segurança que escorregavam pelos dedos desesperados. Sufocava com os montes que se acumulavam antes de cada cusparada. Quando mais puxava os fios, mais deslizavam, expelindo sempre novos vômitos, cada vez maiores e mais sólidos. Até que a sensação de movimento cessara, restando apenas a posição paralítica em suspenso, com o espetáculo do que fora regurgitado. Os olhos embaçados, a mente anestesiada com alívio em moldura de desespero. Respirava com dificuldade, pela dor do diafragma, não sabendo o que lhe sucedera. Mantivera as mãos firmes ao cinto desconectado, como último reduto de segurança que havia restado. Treinava a meditação em suspenso, no desconforto da pressão, somado às dores abdominais e angústia por não saber de onde viera, o que fazia ali e nem sequer para onde iria.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 13/10/2012
Código do texto: T3930280
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