O Retorno

No trabalho, a ordenação da burocracia, sentado na beira da calçada, com carros acumulando próximos a beirada. Pessoas desejando informações, irritando por interromperem o raciocínio de ordenação. Adentrando, faz explicações sobre modelos de óculos solares, questionado a respeito de modelos com grau. A mecânica explicação de que por não possuírem laboratório próprio, investiam mais em uma linha solar, embora as senhoras estivessem mais interessado em sua companhia. Uma cliente chega a encurralá-lo próximo ao espelho. O olhar de soslaio para a companheira de trabalho sinaliza o embaraço. Um senhor pergunta sobre lentes para seu casamento, a necessidade de enxergar, mas a explicação se repete.

Uma ligação, a voz conhecida dizia com sonoridade longe, “ela está viva”. A conversa dificultada, repetidas vezes pedia-se que repetisse a fala. Impossível, pois nós fomos ao velório. Mais uma vez a confirmação. Desorientado resolve mover-se. O desespero. O abandono de tudo, cruzando grandes extensões de território a pé, apenas contemplando o solo de terra que se perde de vista. As lágrimas saem enquanto o corpo caminha o máximo que pode, até onde possa ter alguma condução mais ligeira, em meio a pensamentos variados.

Chegando ao hospital caminhando pelos corredores frios, dirige-se ao balcão para conseguir informações. Pronuncia o nome, o atendente busca em uma lista e informa o quarto, número setenta e três. pensa que talvez tivesse ouvido um nome parecido, mas maquinalmente, caminha olhando as portas, abrindo a procurada sem bater. A visão estarrecedora, apenas três leitos e nove pacientes. Dois em um mesmo leito, a magreza de uma mulher que expunha costelas ressaltadas pela pele, um obeso nu sentado no chão, o cheiro quase intolerável de urina e fezes, os acompanhantes conversando normalmente em meio ao espetáculo para muitos repugnante.

O retorno ao balcão. A aflição de não ter encontrado quem procurava. O atendente disse ter se equivocado, seria o quarto treze e não setenta e três. Quase corre até o novo leito, abrindo abruptamente a porta, mais uma desilusão. Volta e pede nervoso que verifique o quarto. O homem pronuncia o nome pausadamente, agora ficou claro, nome e sobrenome corretos. O funcionário diz não ter se equivocado e o acompanha até o local. Em uma cama com dois pacientes, aponta para uma mulher na extremidade inferior, o rosto coberto com uma meia. Já havia prestado atenção naquela figura na primeira vez que adentrara o quarto, mas não a percebera.

Se aproxima e rasga a meia, enquanto a mulher de bruços se vira. Os olhos. Impossível. Até os dentes, com aquele sorriso fragmentado. Se afasta estarrecido, levando as mãos à face. O choro cai em cascata, enquanto cai sentado, escorado pela parede. Não sabe se chora de alegria ou desespero. O nome ecoa na mente, fazendo com que quase sofra um desmaio. Não consegue parar de olhar, em meio as lágrimas que não cessam. Os olhos escuros o dominaram. Estava mais magra, mas sem dúvida era ela e isso desfazia todo aquele sofrimento de anos, ou antes, tornava-se uma compensação pelo que imaginava ter sido uma falsa espera.