Feijões Saltadores
Naquele dia não estava bem. O ar sobre o Novo México era muito seco, e minhas narinas começaram a ressecar com um pouco de sangramento. Faltavam algumas milhas para chegar em Albuquerque Dirigia numa estrada deserta dentro de uma paisagem deserta…., o que mais esperar, além de um bar num lugar esquecido pelo Tempo. Meus devaneios logo me despertaram para a realidade, ao perceber que mais a frente havia um desses bares. Estacionei a caminhonete, e esperei um pouco a poeira baixar para abrir a porta. Agora sem o barulho do motor dava para sentir o silêncio da amplidão do inferno.
De frente para o bar, hesitei um pouco a continuar adiante. Sob meus pés havia uma escada de tábuas bem surrada pelas intempéries de apenas três degraus, que pareciam me levar a um mundo misterioso e sombrio.
A porta estava entreaberta, onde pela fresta via-se apenas a escuridão, mas mesmo assim, decidi entrar, sabendo intuitivamente que algo de muito estranho iria acontecer, pois naquela noite, um sonho me levou a um futuro cheio de probabilidades, e tudo aquilo agora me parecia bem familiar.
Pouco a pouco em que minha visão ia se acostumando com o ambiente escuro, vi um balcão com alguns copos de whisk vazios, e uma toalha surrada e encardida, onde o barman esfregava freneticamente um desses copos, a olhar fixo para mim, sem disser palavras de boas vindas.
Olhei para ele também, esbocei um sorriso, demonstrando satisfação e que tudo estava perfeitamente normal.
-Você tem um café expresso para me servir? Tomei a iniciativa tentando ser cordial.
- O café que a gente serve aqui é com borra, e foi feito agora pouco. Deixe descansar um pouco para depois beber. Não é dos melhores, mas aqui ele é bem conhecido. Disse o barman.
- Tudo bem, mas fiquei curioso. Posso saber o por que?
- Beba e saberá. Voltando a esfregar os copos e não dando muita importância a minha presença.
Esperei a borra do café assentar ao fundo, e ao beber, senti algo sólido indo para minha garganta, e quase que engoli. Cuspi o objeto para dentro da xícara, e pergunte o que era aquilo.
- Ora! Veja com seus próprios olhos, disse o barman.
Aquilo estava misturado com a borra, mas ao tirar com os dedos, chacoalhei, ouvindo um som.
- Mas isso é um guizo de cascavel!
- Não fique me olhando assim com esses olhos arregalados. Posso lhe garantir que o veneno dela não está ai.
- Terei que pagar por isso?
- Todos têm um preço a pagar quando entram nesse bar. O barman virou as costas, e foi para cozinha, me deixando sozinho, praguejando e inconformado com a hospitalidade.
Durante o incidente, passou quase desapercebido a presença de um velho índio a uns quatro pés distante de mim, debruçado sobre o balcão. Creio que esperou que eu me acalmasse para mostrar algo, e então tirou algo de seu bolso, uns feijões e pôs sobre o balcão.
-Olhe bem para eles : Disse o velho índio.
Olhei para o índio, para os feijões, e percebi que aquele não era realmente o meu dia, e disse:
-Quando a gente não está bem, parece que tudo o que acontece ao redor conspira contra o universo.
-Se não olhar fixamente para esses feijões, nada irá compreender o que se passa com o universo.
Então olhei mais uma vez para os feijões, e der repente começaram a saltar.
- Ora, isso são feijões saltitantes. Quanto irá me cobrar por esse truque barato?
-Digamos que uma parcela de sua alma.
-Pois muito bem! Você está diante de uma pessoa um tanto cética. Portanto não tenho alma, e nesse caso nada lhe devo. Certo?
Disse aquilo mais por raiva do que realmente sinto em relação à vida, mas achei boa a ocasião para retrucar.
Ele simplesmente balançou a cabeça, e disse que eu estava mentido para mim mesmo, e não para ele.
Voltou a tornar o rosto para frente, olhando para o nada, coçou as costas, e simplesmente esperou, que eu voltasse a olhar mais uma vez para os feijões.
Bom……., foi exatamente o que fiz.
Notei que eles pairavam por algumas frações de segundo no ar. Acredite que fosse o efeito daquele maldito café, mas ai, fiquei atônito, e hipnotizado com os movimentos cada vez mais lentos desse feijões dançando em minha frente. Pensei estar alucinando, o mundo real estava ficando distante, e penetrara em um outro mundo.
Ouvia um som distante vindo do fim do mundo, mas era somente o velho índio pondo-se a cantar. Sua voz orquestrava os feijões, e esses por sua vez iam adquirindo cores, até se posicionar em círculo, como uma ciranda, chegando a flutuar umas oito polegadas de altura em relação ao balcão. O índio fez um breve silêncio e bateu levemente sobre o balcão.
Tudo que estava em sua volta, retornou a seu ritmo, e os feijões caíram sobre o balcão na mesma posição quando iniciaram a levitar.
- Você só pode ser uma espécie de xamã ilusionista!
- Não, cara pálida. Foi o mundo desesperado que quis se mostra a você. Eu sou apenas um mensageiro.
- Tudo bem. Pensei em sair o mais rápido possível daquela espelunca, mas sem antes deixar uns míseros cents pelo café.
Voltei a caminhonete, liguei o contato e pisei fundo no acelerador, tentando estar o mais distante possível daquele estranho bar.