Louca Trajetória
De carro, saindo pela madrugada, sem destino certo. Próximo a um viaduto, circulam seres noturnos de uma metrópole em ebulição. Uma carona. Um braço estendido faz o sinal, que alerta para o desejo de ser convidado. A porta se abre e a criatura adentra o veículo. Portando roupas justas, se faz feminina, apesar de genitálias que indicam o contrário. Um passeio sem compromisso, nada de beijos, apenas olhares de flerte. O desembarque ocorre em uma esquina qualquer. O carro perambula pensando em novas caronas, talvez a garagem e outras aventuras automobilísticas fiquem para uma próxima ocasião.
Um casal é surpreendido, viram o que não deviam. Eles que são obrigados a dar uma carona. O carro segue lentamente, até perceberem a necessidade de caminhada. Saltam e sobem o morro bem íngreme, chegando a um ponto de acesso. O sujeito insiste que devem velejar, apresenta argumentos que o fazem passar de criminoso a oficial da lei, embora o crime não escolha profissões, agindo em qualquer um que seja seduzido por ele. Parece um rio, mas não passa de uma vala, onde utilizam uma pequena embarcação e os três vão remando com as mãos, movendo-se por aquelas águas turvas. Eis que chega o ponto que o esgoto escoa e a embarcação não pode mais prosseguir. Descem e o condutor pensa que deveria ter insistido com o carro, pois o trajeto é penoso.
Do alto avistam um desfile folclórico, com alegorias que lembram uma festa pagã grandiosa. O medo da altura o faz recuar, sabe que precisa descer. Avista a cabeça de um touro gigantesco, sabendo que deverá descer por aquele despenhadeiro alegórico. Na cabeça martela o pensamento de que talvez descubram não ser nenhum homem da lei, embora no fundo todos o sejam, já que dizem que a justiça se aplica a todos. Já havia descido aqueles penhascos em outra ocasião, não apenas o da cabeça de touro, mas todos os outros que seguem em fila naquele desfile. Parece um sonho. Se for será mais fácil vencer os medos.
Eis que ela surge, com sua pele morena, a sensualidade desta figura não pode ser reduzida apenas as curvas. O olhar é sedutor, exala pelos poros algo de libidinoso. Nosso filho, aquele menino mulato e gorducho. Algo de estranho nesse garoto, que escala a cabeçorra taurina sem dificuldade. Ele é todo quadrado, até os lábios, parece todo feito de madeira, por artesão perspicaz, uma espécie de pinóquio balofo, se é que existem gordos quadrados., pois a gordura costuma ser associada a formas arredondadas. Observo fios que descem sobre seus membros, é um fantoche manipulado por algo identificável. Parece alegre como um mamulengo.
Se meu filho é um bonceo, eu também sou. Estava certo, não passa de um sonho. Vou logo descer desse pico, pois nada devo temer dentro de uma aventura onírica. Mesmo assim hesito. Só há uma explicação. Não é um sonho, mais um pesadelo, por isso meus temores tomam conta de meus atos e estou reduzido a estas cordas que me travam. Nem enxergo cordas em mim, como não identifico quem manipula as dele. Se há cordas e movimento, existe alguém nos bastidores fazendo o espetáculo prosseguir. Não tenho noção de tempo, não tenho noção de nada. Tudo some e tudo aparece e eu continuo ali, contemplando o público abaixo dessa representação de Mitras.