Uma Empreitada Finada

Um movimento vagaroso e arrastado levava a vassoura maltratada de um lado a outro, trazendo consigo algumas folhas secas dispostas sobre as vias entre as covas. Já passava das seis, e Pedro sabia que hoje era o único dia no qual não poderia se atrasar com a limpeza. Esticando as costas com um estalo audível, fitou a placa desgastada que vira nos últimos sete anos: “Cemitério Chora-Menino – Entrada Secundária”. O escuro da noite já começava a beliscar o céu, e ainda havia uma ou duas pessoas por ali. Pedro se aproximou das duas silhuetas que fitavam uma das lápides de forma solene:

- É hora de fechá, moças – disse ele, as mãos em volta do cabo puído da vassoura, cabisbaixo. Sua compleição física não lhe era de maior valia que seu histórico escolar, o que explica o fato de não ser capaz de olhar as pessoas nos olhos. Feio e com marcas de nascença por toda a testa, Pedro Coveiro (como era conhecido) pôde ouvir parte das sentenças que a ele se referiam quando as moças saíam do cemitério, visivelmente ultrajadas pela “expulsão”.

- Por isso que tem esse trabalho! Gente burra assim vira lixeiro ou coveiro mesmo!

Pedro não costumava dar atenção a essas imprecações, pois já havia ouvido coisas bem piores. Além do mais, ele mesmo reconhecia que não sabia muito de nada, tendo apenas a segunda série do primário concluída. Um ruído metálico selou a porta secundária, reaberta apenas no dia seguinte após as sete. Normalmente seria após as oito e meia, mas no Dia dos Mortos Pedro trabalhava mais cedo por causas das visitas.

- Cabou aí, Pedro ? – dirigiu-se a ele Bastião, o faxineiro. Tirava um cigarro torto de um maço em condições lamentáveis de um bolso do sujo macacão azul.

- Cabei nada. O lote dois inda tá cheio de coisa lá pros lados da rua de trás – respondeu o coveiro, recusando cortesmente um cigarro oferecido pelo velho faxineiro de pele escura.

- Cê que sabe, se o patrão chega e vê essas folha cê tá lascado – disse ele, momentaneamente desviando o olhar de Pedro para acender o cigarro – Qué uma mãozinha com o resto?

- Precisa não, Tião. Vai pra casa com a tua mulhé, eu fico aqui e limpo isso. Num tenho nada mais pra fazê hoje.

Após despedir-se do faxineiro, o coveiro foi cuidar do lote dois, necessitando de mais de meia hora para que ficasse apto às visitas do dia seguinte. Com tudo em ordem, Pedro guardou a vassoura simples em um armarinho e rumou para sua casa de três cômodos no interior do próprio cemitério.

O cheiro de comida requentada vinha da panela de feijão que já estava sobre o fogão, enquanto Pedro tentava sintonizar o canal do noticiário no televisor monocromático. Três batidas na porta atraíram a atenção do coveiro quando este já arrastava, pouco graciosamente, a antena de um lado para outro, ofegante.

- Que é agora? – disse ele ao abrir a porta, fitando uma figura de aparência idosa. Tinha cabelos grisalhos semi-amarelados e porções de terra entremeavam os vincos da maturidade em suas faces magras. Faltava-lhe também um pedaço do braço esquerdo, provavelmente já refeição de algum verme agora barrigudo.

- Nossa, que recepção – respondeu Armando, pouco entusiasmado com a calorosa atitude do dono da casa – Sempre essa maldita televisão! Por que não pede outra pro patrão?

- Ah, deixa pra lá – disse, virando-se e deixando a porta aberta para que o outro entrasse. Enquanto abria uma portinhola abaixo da pia, o cadáver encostou a porta delicadamente.

- Aqui – disse o dono do casebre, deixando sobre a mesinha um pacote grosseiro, embalado com folhas pardas de padaria e uma cruz de barbante. O recém-chegado apreciava o pacote com óbvia ansiedade – Mas eles só tinham da branca – completou Pedro.

- Não tem problema – disse Armando, abrindo o pacote com pouca cerimônia e lambendo os lábios com uma língua roxa e ressecada. No interior da encomenda, havia umas três grossas placas brancas, sobrepostas umas às outras, das quais exalava um odor adocicado. Armando agora deliciava-se com a iguaria disposta perante ele.

- Eu, que vim do Norte, não gosto tanto de rapadura assim, bom proveito – disse Pedro, momentaneamente satisfeito pelo sucesso de seu presente. Porém, logo em seguida voltou sua atenção para o canal mal sintonizado no televisor. Estava ainda a xingar veementemente a antena remendada quando o visitante o interrompeu, já farto.

- Que maravilha. Obrigado, Pedro – respondeu, massageando o estômago inchado.

- De nada. É baratinho mesmo, dá pra comprar bastante – disse, finalmente desistindo de sua empreitada e desligando o aparelho do qual originava um chiado irritante.

- Não, digo-lhe com toda a honestidade. Foi o melhor presente de despedida que você poderia me dar – disse Armando, jogando-se pesadamente sobre um sofá mofado, levantando uma modesta nuvem de poeira. Franzendo o cenho de modo repreensivo, o coveiro disse:

- Ainda com essa idéia? Se eu soubesse que era pra isso a rapadura, nem tinha comprado. Vê se sai dessa, Armando! Já te falei que é má idéia.

- Que nada! De amanhã não passa! – continuou, batendo o punho com força na outra palma aberta – Chega dessa chatice, dessa quietude que não passa todo santo dia. Amanhã eu volto pra lá. Lá pra fora.

- Bom, cê tá morto, chapa. Morto não reclama de silêncio, porque morto não reclama de nada! – disse Pedro, um pouco pensativo – Bom, se reclamar, acaba puxando o pé de alguém...mas morto não sai andando por aí. Isso é que não.

- Na sua idéia, seu coveiro. Você é que fica falando com morto, você é que tem problema – completou, sorrindo de maneira conclusiva. Pedro apenas deu de ombros.

- Cê é que sabe. Já te falei do Ezequias, né? Bom, cê vai tê o futuro dele.

- Que Ezequias? O que foi atropelado?

- Cê acha que todo mundo que morre vem falá comigo, é? Uns três, no máximo...mas nenhum deles me pediu rapadura antes – disse o coveiro, olhando para o teto em uma conformação interrogativa – Mas então, esse Ezequias também queria sair, falô que aqui não era lugar pra ele, e tal...e um dia ele saiu.

- Saiu? Que dia?

- Num lembro não. Mas não era o Dia dos Morto, porque eu tava de papo pro ar nesse dia. Então, ele tanto encheu que ia sair que acabou se decidindo e juntou os trapos dele pra dar o fora – começou ele, servindo-se de duas conchas de feijão preto de ontem – Ele era assim que nem você, não parava quieto que nem morto devia fazê.

- Pra onde ele foi? Poderia procurá-lo assim que eu estivesse lá fora.

- Ih, cê num vai achar ele lá fora não, por que num foi pra lá que ele foi. O Mel pegô ele. E eu avisei que ia pegar – disse, com uma porção generosa de seu jantar na boca.

- Quem?

- O Mel. Sei lá, um sujeito que tem um nome difícil – continuou, pousando o prato no colo para gesticular com mais liberdade – Ele apareceu um dia aí, uns três meses depois que eu arranjei o emprego. Logo depois que o primeiro desses morto inquieto veio falá comigo.

- Você chama ele de Mel?

- É. Mas não é de doce, não. É que eu só me alembro do final do nome, é bem compridão. Mas ele disse pra eu chamar ele de Mel que não tinha pobrema – disse, empurrando o prato vazio para um lado do sofá – Quando esse inquieto apareceu, ele veio bater um papo comigo e perguntar se eu sabia porque as alma penada vinha falá comigo. Eu falei que sabia não, e ficou por isso mesmo. Cara bacana, fala bonito.

- E esse Ezequias, quando ele não conseguiu sair, onde você colocou ele?

- Não, não. Ele não voltou pra cá não. Ele sumiu. Depois o Mel falou que ele pegou o Ezequias de jeito, e eu não perguntei mais. Ele fica bravo com esses caras tipo cê que tentam sumir daqui. Cês tão morto, ué – disse, dando de ombros.

- Ah, mas esse Ezequias não planejou as coisas direito. Amanhã é Dia de Finados, vou sair de fininho junto com todo mundo! Se tiver bastante gente não preciso nem correr! Você me dá uma mão?

- De jeito nenhum! Olha lá fora: tá vendo todo mundo lá cuidando dos pobrema deles mesmo? Todo mundo tá morto, mas tem coisa pra fazê. Cê tá até tendo chance, o Mel falô que, por ele, pegava os morto inquieto mesmo antes de cês tentá saí.

- Ah, você está tentando me assustar. Fica tranqüilo, não vai ser difícil – disse Armando, recostando-se no sofá com naturalidade.

Mais tarde da noite e após dois copos de vidro grosso de aguardente, o coveiro estava menos preocupado com o futuro de seu colega, engajado em uma conversa animada.

- E foi aí que cê morreu, depois da topada rolou em algum barranco?

- Não, o que me matou foi isso aqui – disse ele, apontando para a barra restante do pacote de rapadura – Diabetes.

- Di o quê? Isso aí na venda chama rapadura.

- Não, não – disse o cadáver, com um gesto displicente com ambas as palmas – Diabetes é uma doença que impede que se coma doces como esse. Existem pessoas que perdem pernas e dedos por causa dessa doença. Uma coisa horrível.

- E cê morreu por que ficou comendo doce?

- É. Bom, eu iria morrer de qualquer jeito, pelo menos podia aproveitar – respondeu, dando de ombros sem muita convicção ou ênfase – Mas hoje nem sei. Poderia ter passado mais tempo com minha esposa.

- É, trocou a muié por rapadura. Isso não é coisa que homem faz – o comentário não foi muito bem aceito por Armando, que respondeu com um semblante inquisitivo. Mas, no momento seguinte, já havia desanuviado o cenho, considerando que Pedro estava um tanto inebriado.

- Olha, acho melhor eu deitá. Amanhã é dia cheio, e tô cansado – disse, erguendo-se com certa hesitação do sofá – Se quisé dormir aqui, até pode. Mas mata as barata que junta perto do cê toda hora. Elas me atazanaram aquele dia, tinha até no sapato quando me troquei.

- Tudo bem, eu vou lá pra fora. Vou ficar de guarda num lugar bom pra dar no pé. Adeus, Pedro – disse com um sorriso franco – Obrigado por tudo.

- Tá, tá... – respondeu abanando uma mão e balançando a cabeça de modo negativo. Já sem o macacão, deitou-se na cama ainda a resmungar algo sobre teimosia enquanto o trinco da porta fechou-se novamente, deixando Pedro como único ocupante do casebre.

* * *

Pessoas se agitavam nas ruas, acotovelando-se mutuamente por um espaço sofrível na calçada em direção às lojas em plena Quarta-Feira. A explosão demográfica ocasional era digna de qualquer liquidação das Casas Bahia, mas os cotovelos beligerantes não ganhavam mais área rumo às lojas de eletrodomésticos, e sim às floriculturas: era Dia de Finados.

As vicinidades do Cemitério Chora-Menino estavam intransitáveis, e o de fato assustador volume de idosos nas ruas colocava nas bocas malignas piadas sobre a volta de falecidos, e outras falácias de gosto ainda pior. Decerto alguns dos idosos teriam idade suficiente para serem comparados ao último maracujá vendido ao final da féria do CEASA, mas a cortesia política limitava tais comentários às mesas de cartas dos bares.

- Esse está vendido! Vendido! – gritava o vermelho dono-balconista-decorador da floricultura “Boa Flor” a uma senhora de origem nipônica, agora em frangalhos após ter erguido um vasinho de tulipas sem compromisso. O tônus estático da senhora não a permitia pousar o vasinho (que obviamente já pertencia a outrem), pois o choque da voz tempestuosa do homem havia congelado seus músculos. O homem ficara ainda mais vermelho quando não conseguia trilhar o espaço entre a senhora (e o vasinho) e ele próprio, devido aos outros consumidores já meio desesperados por qualquer vaso restante. Mesmo que fosse um vaso de alcachofras. O caos generalizado era devido a um detalhe pragmático na cidade de São Paulo: ninguém foi viajar para o litoral porque dia dois de Novembro caiu no meio da semana.

Mesmo que Armando desejasse com todas as forças, não teria conseguido um prospecto mais favorável para seus desígnios. A multidão de visitantes tumultuava de tal maneira o cemitério que duas viaturas da CET haviam sido mobilizadas para controlar o tráfego nas redondezas. Com um pano agora sujo que havia surrupiado de alguma oferenda, envolveu a porção de seu braço que chamaria a mais óbvia atenção, e fitou seu objetivo novamente: os portões de saída.

Ele ouvira falar, certo dia, que não era possível abandonar o cemitério em qualquer dia. Considerando que Armando tinha unicamente esta chance, não a desperdiçaria com um dia qualquer. Não, ele escolheu o dia perfeito para a grande fuga de volta à realidade. Os relatos do “caçador de fugitivos” de Pedro tornava-o um tanto apreensivo, mas não havia creditado muita fé na história, considerando a fonte. Estava decidido a partir dali, em direção a um lugar com muitas docerias e afins. Bem, não tinha nada a perder.

Havia marcado a sua saída triunfal juntamente com uma senhora que Armando determinou como “alvo”: uma mulher em torno de sessenta anos, intensamente maquiada e cujo chapelão enorme poderia ser visto em quase qualquer ponto da área aberta para visitação. Aliás, a vestimenta espalhafatosa do alvo serviria como um oportuno ímã de atenções, e a confiança do defunto aflorava a cada instante. Após longos e incômodos minutos de uma choradeira contida, o alvo começou a se arrastar languidamente em direção à saída. Armando, retesado até as orelhas, finalmente lançou-se à sua coragem e trilhou um caminho que o faria cruzar com o dela mais adiante.

As pessoas não estavam muito interessadas em quem mais freqüentava o cemitério naquele dia, e, assim, em poucos e tormentosos instantes Armando seguia a silhueta da usuária do chapelão calmamente. Havia calculado mais uns cem passos até a liberdade, e apenas uns vinte até a curva no trajeto que o faria enxergar a saída. Imaginava o semblante estupefato de Pedro quando soubesse que ele estaria do lado de fora, integrado novamente às suas guloseimas. Após a curva do trajeto, porém, Armando não mais pensava em Pedro ou mesmo na fuga. Aliás, não era capaz de pensar em nada no momento.

Havia um homem de altura mediana plantado a alguns metros dos portões de saída, cujo terno cinza-claro e sapatos seminovos em nada impressionavam o fugitivo. Porém, o que o fez estancar tão próximo de alcançar seu objetivo foi o olhar fixo do sujeito parado em meio à multidão. Curiosamente, os transeuntes apressados não pareciam vê-lo, mas, ainda assim, sempre desviavam da porção do pavimento onde permanecia imóvel. Ele mantinha o peso de seus olhos impassíveis sobre Armando, e agora o ex-fugitivo sentia um medo mais forte do que o que provara quando a Morte o carregou através de corredores compridos e escuros.

Agindo impulsivamente, olhou para trás em uma tentativa primitiva de retornar para onde era seguro. Mas não existia mais trás ou frente, todas as direções lhe indicavam, além da ausência de quaisquer outras pessoas, um cenário inédito a ele. Ainda parecia o cemitério, mas estava organizado de maneira muito pouco familiar ao seu antigo morador. Não deveriam ser mais de dez da manhã, mas o céu escureceu com pesadas e repentinas nuvens. Basta dizer que, quando as nuvens desobstruíram a luz tépida solar, Armando nunca voltou a pisar no Cemitério Chora-Menino. Ou qualquer local próximo a ele.

Um pouco antes das quatro da tarde, o movimento já havia diminuído bastante, e Pedro podia dar um pulo no casebre para comer alguma coisa. Na verdade, poderia tê-lo feito há horas, mas em seu íntimo gostava de ver o cemitério cheio. Dava-lhe a impressão que seu trabalho era apreciado, mesmo que apenas uma vez por ano. Porém, foi acometido de um grande sobressalto ao abrir a porta de seu modesto patrimônio. O homem trajado em cinza-claro o aguardava no sofá, aparentemente pouco incomodado com o contraste hediondo entre seu terno impecável e o sofá mofado.

- Qué me matá do coração, homem!? – disse, arfando ruidosamente. O outro respondeu com um sorriso breve mas caloroso.

- Desculpe-me por isso, Pedro. Custo a acreditar que, com tudo o que se passa aqui, ainda possa perturbá-lo com minha presença – disse Mel, alisando alguns vincos em suas calças.

- Nada do que eu vejo aqui aparece do nada dentro de casa, pô – respondeu, enfezado por um instante, atitude que pareceu divertir Mel de maneira afetuosa.

- Importa-se se eu partilhar de sua refeição?

- Por mim, não, mas só tenho feijão e ovo – disse o coveiro, um tanto envergonhado. Mel assentiu com um ar satisfeito, enquanto Pedro agora pegava o dobro do número costumeiro de pratos. A refeição inteira foi preparada em silêncio, o que não desagradou o dono do casebre nem um pouco. Quando Mel falava, tinha vontade de se encolher em um canto escuro como o rato burro que se sentia. Já sentados, cada um defronte ao seu respectivo prato, Pedro quebrou o silêncio e deu margem à sua curiosidade:

- Então...Ficou sabendo do velhinho que queria se arrancar daqui? – começou, cortando o ovo frito em pedaços menores.

- Hmmm... – assentiu Mel brevemente – Sim. Isso já foi resolvido.

- Como assim?

- Hmmm...Coma, Pedro. Sabe de minha omissão costumeira para com detalhes, não? – respondeu o outro, com um olhar firme mas amigável.

- Certo. Tô ficando fofoqueiro – desconversou, coçando a nuca sem real necessidade.

- Pedro, eu sei que você tentou convencê-lo a ficar. Disse que o lugar dele era aqui. Por que fez isso?

- Eu? Ah, sei lá. Não parecia certo um defunto caminhando por aí com rapadura na boca – disse, dando de ombros de modo casual – Sem contar que, se ele achasse a mãe dele, ia matá a véia do coração. Sei lá, num parecia direito.

- Entendo – disse Mel, empurrando o prato sujo apenas nas bordas – Também sei que você jamais contou a alguém o que acontece dentro desses muros após o anoitecer. Por que guarda tudo isso para si próprio, meu caro?

- Hmmm...Acho que nunca pensei nisso. Bom, nunca pensei em um monte de coisa. Eu sou o coveiro, acho que tenho que cuidar dessas coisas. Deve sê assim em todo cemitério, tenho certeza. Tem que tê um por aqui pra botá esses morto na linha.

- Compreendo – assentiu, com um sorriso quase infantil – Há alguma coisa que você queira? Qualquer coisa?

- Como assim? Tá falando de presente?

- É, pode-se dizer que sim – disse Mel, polidamente.

- Hmmm...Acho que num preciso de nada, não – respondeu Pedro, arrependendo-se instantaneamente de sua última declaração – Não! Eu queria uma vassoura nova. Pode sê?

- Uma vassoura?

- Isso. A minha tá ruim, e nunca dá pra saí e compra outra antes que as loja tá tudo fechada. Pode sê?

- Acho que não haverá problemas. É tudo o que quer? – disse, sendo correspondido com um aceno afirmativo de cabeça. O homem em cinza, então, levanta-se e dirige-se para a porta. Porém, antes de passar pela generosa fresta entre o batente e a porta entreaberta, Mel fitou Pedro colocando os pratos na pia. No instante seguinte, já não estava mais ali.

No fim do dia, ainda que houvesse se esquecido até abrir o armarinho da faxina, Pedro pousou os olhos em uma vassoura novinha em folha, com cerdas fortes e densas. Um sorriso largo plantou-se em seu rosto, pois com aquela vassoura poderia dar cabo do serviço na metade do tempo. Não se incomodava que sua grande alegria no Dia de Finados fosse uma vassoura nova, pois nem sempre ganhava presentes. Além do mais, uma vassoura é algo de bom tamanho para um coveiro. Apesar de ter aprendido a gostar de seu trabalho, Pedro sabia que nunca seria mais que um coveiro. Um coveiro sem instrução e que sabia de bem menos coisas que todas as outras pessoas.

Leandro Rampim
Enviado por Leandro Rampim em 05/12/2006
Reeditado em 18/12/2006
Código do texto: T310129