No Fim do Diário pt. 5
23 de Dezembro de 2005
Eu queria que me pai lesse algum dos meus textos, mas ele nunca se interessou pelo que eu faço. Certa noite enquanto assistíamos tevê meu irmão disse algumas coisa e meu pai olhou pra mim e disse:
- Você devia fazer alguma coisa útil ao invés de ficar no seu quarto escrevendo essas idiotices. Devia jogar futebol ou fazer natação.
Queria ter tido coragem de dizer: “Pra compensar seu filho inútil?”, mas não disse nada em respeito à Carlos que ainda era meu irmão e nunca fez nada que me desse motivo para odiá-lo, a menos que fazer meu pai gostar mais dele seja algum crime.
- Não gosto, pai!
Ele balançou a cabeça e ficou quieto.
Queria poder mudar as coisas, queria que o meu aborto tivesse dado certo. Meu pai me disse uma vez que minha mãe tomou uma porrada de pílulas pra matar a criança que sugava todas as energias dela. Ela foi resgatada por meu pai que a levou ao hospital, naquele mesmo dia eu nasci, prematuro, e minha mãe morreu.
- Quer água Carlinhos? – eu perguntei ao meu irmão enquanto ele olhava para a televisão em sua cadeira de rodas. Eu queria saber se ele prestava atenção nas coisas, mas não sabia. Ele virou-se para mim e deu um grunhido que eu já entendia como não.
Acho que foi naquela noite que eu vomitei sangue na privada.
Meu pai me levou ao médico e meses depois veio o veredicto: Eu estava morrendo. Acho que é um alívio para mim que eu esteja partindo, assim eu não preciso mais ouvir meu pai chorando no quarto dizendo que queria minha mãe ali, que queria que seu filho estivesse bem e que eu tomasse vergonha na cara.
Diante da morte acho que todas as pessoas tomam vergonha na cara, porque alguns dias antes de eu ter sido internado aqui eu chamei meu pai para jogar futebol. Acredito que ele só tenha aceitado porque eu estou morrendo.
Fomos ao parque e ele deixou Carlos numa sombra enquanto eu e ele chutávamos a bola. Meu irmão pareceu feliz, eu jurava ter visto um sorriso em seus lábios. Será que ele sabe que se tornará filho único em breve?