Letras Oroborizantes
As palavras nos permitem imaginar, captando não apenas o sentido que a gramática impõe, mas outros tantos que poderiam compor infinitas possibilidades. Mas, a forma física que a escrita representa, provavelmente as primeiras representações de uma fonética “primitiva”, muitas vezes nos fornecem uma idealização semiótica.
A antiga forma da serpente mística Oroboros, o infinito representado, com aquela imagem engolindo a própria cauda, um devorar a si contínuo, que poderia ser transposto em categorias do alfabeto da língua portuguesa, aqui restrito ao Macrocosmo, ou seja, as letras maiúsculas.
Temos a princípio o “J”, demonstrando a gênese do processo, ignorando a lógica hierárquica que vogais e consoantes seguem, se fazendo primeiro, quando a Oroboros sai da terra, ou linha, conforme a preferência do tradutor, deixando apenas a cauda abaixo do horizontal traçado.
Ergue-se posteriormente com a arrogância de totens antigos, torna-se um “I”, imponente virilidade que se faz de mastro fixo, elevando-se ao espaço que paira sobre sua antiga moradia telúrica, feito Titã buscando o Olimpo. Sua majestade se faz erétil, pilar único que começa a desprender-se do antigo hábitat.
Encontrando o vazio, para não perder-se em um nada absoluto, observa o único existente real, sua própria forma, desenvolvendo o desejo Sethiano de caçar. Busca sua outra extremidade, tornando-se um “C”, naquela expressão de “correr atrás”, aqui ainda mais apropriada, pelo atrás ser sua parte traseira, o rabo.
Quando finalmente alcança sua cauda, percebe que o trabalho é mais árduo do que imaginara, ficando uma aresta solta, um filamento caudal escapa à bocada quase certeira. Forma-se o “Q”, com aquele rabixo solto, fazendo perder a eternidade por um fio, logo voltando ao estado de “C”, onde repete o gesto.
Agora concluído, de fato, um “O” perfeito, sem qualquer hiato que macule sua eternidade presente. Segue o movimento cíclico, fazendo com que os observadores nem percebam o movimento circulatório, feito humanos que não se dão conta da rotação do planeta, só quando rodam a si que o mundo passa a girar, também podemos girar o “O” contornando-o, a diferença é que giramos por nós e ele necessita que giremos por ele.