ANGELICAE
Os anjos se sentaram à mesa e discutiram sobre o problema do lugar onde viviam. Algo estava errado no considerado, por eles, o Paraíso.
Talvez fosse a presença de outros seres não compatíveis com a brancura de suas vestes ou com seus cabelos loiros...
Afinal os anjos percorreram outros locais, falavam outras línguas e tinham um nível superior (e bem superior) a quaisquer outros que, involuntariamente, permaneceram na obscuridade.
Não podiam entender como haviam permitido a permanência de seres “tão inferiores” num lugar como aquele, onde somente um status era admissível. Não conseguiam compreender como é que seres de tão baixo nível podiam viver no mesmo ambiente e usufruir das mesmas regalias que eles!
Então, após uma reunião demorada, decidiram que iriam fazer ver a tais seres a inutilidade de suas ações, por melhores que fossem, e as suas presenças inoportunas.
Começaram por omitir toda espécie de diálogo que pudesse aproximá-los dos indesejáveis, pois tal inferioridade poderia contaminá-los.
Depois, aprisionou-os numa cela chamada
“Indiferença”, impossibilitando-os de verem-se uns aos outros. Quanto maior a distância, menor seria a possibilidade de contágio. Não que não os alimentasse. Isso não! De qualquer forma eles eram anjos e só estavam tentando afastar a contaminação dos “não esclarecidos”!
Aprisionados, os seres sufocavam. Somente máscaras brancas eram vistas, quando se aproximava a hora das refeições. Mas tais máscaras não permitiam aos seres verem os olhos dos anjos e nem tampouco perceberem se estavam felizes ou aborrecidos. Viam apenas máscaras indiferentes, frias, como as paredes da cela em que se encontravam.
Com o decorrer do tempo, talvez por causa da solidão, os seres “não esclarecidos” aprenderam a ver por trás das máscaras e começaram a notar que quando os anjos estavam aborrecidos, suas vestes ficavam escuras. Estavam tendo mais percepção das coisas, porém os anjos não se aperceberam. Continuavam a tratá-los com distância, quase com medo.
Mas... medo?! Não seriam os anjos seres tão superiores que a palavra medo, para eles, era desconhecida?
Na realidade eles tinham medo. Medo de seus atos, dos seus companheiros, medo, enfim, da própria consciência!
Os “não esclarecidos” passaram a notar que, dia após dia, as vestes dos anjos escureciam cada vez mais e, por trás das máscaras, anjos se combatiam com os olhos e se odiavam com um sorriso.
Era a vitória!
Um dia, as grades da “Indiferença” se romperam e, libertos, os “não esclarecidos” caminharam apressadamente e fugiram do INFERNO!