A escada

Comprei a escada no dia dos pais. Quatro prestações, sem entrada. Há muito precisava de uma escada. Nem sou pai, mas dane-se. Uma escada é sempre útil, e eu planejava um dia desses repintar as paredes da casa. Sei lá, meu ego precisava de uma escada. Dar uma arribada, como dizia minha avó.

Chegamos em casa, eu e a escada. A mulher chiou: - Seu louco! Vai desinterar o aluguel! Só você! A luz atrasada, e você me compra uma merda de escada! Resmungou, resmungou. Eu nem aí. Orgulhoso da escada, que era a minha cara.

A sogra foi a primeira vítima. Gorda malacabada, queria porque queria que eu trocasse lâmpada às duas da madrugada. Eu disse que não, trocava no outro dia. E ela: - Então pega sua escada e enfia... – acho que até então eu não a odiava tanto. Pensei: bem que podia se esborrachar no chão.

Decidiu trocar a lâmpada ela mesma, a pata falseou, gangorrou e deu de testa no chão. Tava morta. Mortinha da silva. E a vida continuou...

A mulher dizia pra jogar a escada fora. Não jogo, não jogo, não jogo. Custei pagar. Té atrasei o aluguel pra pagar.

Daí um dia foi Marquinho, meu enteado. Joana pegou ele com maconha, deu porrada, chorou três dias. Tentei fazer papel de pai. Não era, não deu. Depois que soubemos, Marquinho desbundou. Chegava chapado todo dia e Joana sofria demais. O marquinho tava de boa, falei: - Pega a escada, arruma a antena da tv. Marquinho subiu, caiu, sei lá que qui aconteceu. Tava estatelado no chão. Um troço da antena socado no peito do moleque. Morreu logo não. Foi pro hospital, gritava: - Vi o diabo! Vi o diabo! E morreu.

Joana nem era mais Joana. Só chorava. Nem passava roupa direito mais, a comida tava que só gororoba todo dia, e o pior: não me dava de jeito nenhum, e eu sempre acabava a noite resolvendo nos cinco dedos.

Foi quando conheci Vera. Morena nova, cheia de vida, boa de cama, de papo. Me convenceu largar Joana. Mas como? Como largar Joana depois de tantas perdas? A escada.

Domingo, jogo da seleção. Chamei uns amigos pra tomar gelada e comer carne de tira-gosto. Fui na garagem, peguei a escada e coloquei atrás da porta da cozinha. Voltei pra sala, e esperei. Joana, a contra gosto, foi preparar a carne. Não demorou muito, ouvimos os gritos na cozinha, seguidos de um enorme silêncio. Corremos pra lá e encontramos Joana caída no chão, abraçada à escada. Não sei porque lembro tanto disso, mas o Brasil fez um golaço naquele mesmo minuto. Não sabíamos como tinha acontecido, depois os peritos explicaram: A escada havia caído sobre a panela de óleo quente que atingiu o corpo de Joana, que jogou seu corpo contra a mesa. Essa quebrou, perfurando com vidro o corpo de Joana. A gente ali, embasbacado, e um cacão de vidro bem no meio da goela dela.

Bem, acabei juntando os trapos com Vera logo depois. Troquei a escada num três oitão, era menos perigoso. Sei lá, meu ego precisava dum três oitão. Dar uma arribada, como dizia minha avó.