O SONO A BOLHA
Inspirado em "Esboço de um Sonho”, de Julio Cortázar
Suzana estava de camisola dançando sem música, sozinha na cozinha. Ela lhe chama com o dedo indicador sedutor. Alcindo tenta se aproximar. Mas, por mais que avance, não consegue chegar perto dela. Suzana não se mexe e parece estar cada vez mais distante. O telefone toca e, quando vê, não é um telefone. É um gato miando a cuspir um peixe tranquilo de sua boca. Então, Alcindo vai em direção a porta da sala. A porta se abre sem que a toque. Por ela, entra mergulhador equipado da cabeça aos pés. O irreconhecível mergulhador caminha com dificuldades até o sofá da sala e se joga; no que o sofá flutua e lhe envolve como se fosse uma cama d’água. Deste movimento, saem estrelas do mar e cavalos marinhos que vagam pelo ambiente. Quando levanta as pernas, as nadadeiras em seus pés já não são mais nadadeiras de mergulhador, mas negras barbatanas. Do regulador em sua boca soltam-se bolhas que sobem até o teto e formam uma única e imensa bolha. Alcindo não sabe se está na água ou é a bolha que é de água. Olha para o alto e vê dentro dela peixes usando snorkels que se formam e nadam de um lado para o outro, no céu de sua sala. Que agora já não é mais a sala, mas o teto de um barco. Do lado de fora do barco, avista uma enorme onda que avança e encobre tudo, virando-o. Alcindo, ofegante, perde o ar e começa a flutuar. Sufocado, abra a boca frenético e mais bolhas saem. Quando percebe, está deitado sozinho, observando as bolhas que sobem para o céu, nas areias de uma praia desconhecida. Aflito, procura por Suzana. Anda desgovernado em busca de uma saída por toda a praia que, apesar de ser pequena, nunca acaba. De repente, percebe, logo à sua frente, uma rede de cordas entre dois coqueiros. Sente um cansaço profundo e se deita nela, que cai com seu peso. Porém, a queda é longa e aflitiva, até se deparar horizontalmente dentro de uma caverna escura cheia de pedras e bolhas de ar no teto. Nela, um mero flutuante lhe sorri de cima, ameaçador. Dentro das bolhas vê Suzana dançando sem música. Grita por ela, mas sua voz não sai. Ela olha para ele. Mas parece que não o vê, nem o escuta. Exausto, Alcindo joga a cabeça para trás, apoiando-a numa pedra, e tira um cochilo.
Em seu cochilo, tem um sonho angustiante de que está no escritório preenchendo formulários à espera ansiosa pelo horário do almoço.
walter moreno