Pequenos grãos de areia.

Hoje acordei cedo como tenho feito ultimamente. E como sempre levantei-me e abri a janela, faço muito isso todas as manhãs. Olho lá fora sempre vejo a mesma paisagem, tendo decorado-a e conferindo se algo mudou de lugar e para onde foi.

O acordar "só" é um exercício que teimo em praticar, já faz um bom tempo. Virou rotina sagrada da minha existência, haja visto que sempre conjuntamente com o levantar vem os pensamentos perturbantes que teimam em buscar as respostas que você nunca me deu.

Hoje também para sair um pouco desta rotina, veio-me na lembrança você. Como nos velhos tempos, você sempre foi mais sossegada e demorava a acordar. Esperava propositadamente que eu a chamasse bem baixinho, como quem temesse despertar uma "fera" disfarçada de bela adormecida. Tudo maquiavelicamente planejado!

Mas assim mesmo eu vivia tão importante por estar ali ao teu lado, que o fato de acordar primeiro era para mim uma forma de te agradecer pela visão que eu tinha do teu sono. Tão bom era acompanhar tua respiração pausada, tuas mãos pequenas procurando o travesseiro, e as vezes me procurando também.

Lembro-me bem do dia em que cheguei tarde ao trabalho, dado que quando acordei teus braços me abraçavam de um forma tão aconchegante que eu não podia estragar aquele momento, mexendo-se para sair. Sempre foram os carinhos mais simples que me cativaram, estes você fazia com tanta naturalidade que nem sequer percebia quando ocorriam.

Eu era teu devoto! Suplicante, delirante, ansioso, cuidadoso, sempre presente.

Tanto cuidado me deixou cego. Não pude ver que estava te perdendo como areia fina entre as mãos levada pelo vento passageiro. Você se foi! E quando dei conta, ao abrir as mãos vi apenas alguns grãos de areia, que hoje alimentam minha memória. Até que um dia o vento leve o que sobrou, não os grãos, e sim eu.