pai, eu?
Rolou as escadas. O sangue pichava as paredes. Nos degraus algo saltitava. Alguns dentes. Instalava-se a hemorragia. Desacordada, não podia gritar por socorro. Havia premeditado tudo. Não tinha ninguém mais em casa. Apenas os três. Talvez um, logo mais. Sua astúcia foi notável. Verdadeiro lobo. Todos acreditaram no seu sorriso bobo. Pai. Ingênua demais. Já pensava no enxoval quando o telefone tocou. – Tô chegando aí. Tenho novidades. Talvez viesse com os prováveis nomes. Queria um menino. Sabia que menina é problema. Não perdeu tempo na vida. Desde cedo com a mão lá. Quantas masturbações pensando na empregada. Até que esta cedeu. Cedeu à chantagem. – Ou dá, ou dane-se. Tinha filho pra criar. Quase ficou de mais um. Tirou a tempo. Aquela gosma escorreu pela coxa. Foi obrigada a limpá-lo. A boca lá. Nunca havia feito. Era asqueroso. Quando chegou em casa guardou silêncio. Não tinha cabimento. Na mesa do jantar, dividiu o mesmo copo com o marido. Não lembrava se tinha enxagüado antes de sair de lá. Mas aquilo não lhe afetou. Por quantas vezes correu o risco. Com a namorada, por duas vezes já havia deixado lá dentro. Não estava no período fértil. Depois ficou sabendo que por lá não engravida. Foi à forra. O leite quente alimentava aquelas ancas flácidas. Dessa vez não previu. Estava de porre. E ela louca que só. – Maldita cocaína. Em que se converteu aquela moça de família. Era tarde. Demais. Tinha que assumir. Seus pais eram implacáveis. Seus sogros ainda desconheciam. O medo pairava no coração daquela garota. Não queria que fosse assim. As coisas haviam entrado por um curso preocupante. No quarto ele brincava com a barriga. Como se despedisse. Queria aliviar o peso na consciência. Como sempre, premeditava. E ela boba, em estado de graça. Com aquele gesto via que tudo seria superado. Mais a rispidez com que lhe tocou o rosto. O soco inglês entre os dedos. Coisa que não abalou seu espírito. Aceitou a punição. Sabia que ele não queria um filho. Que estragaria seus planos. Que seria motivo de chacota para seus amigos. O metido a espertão, de filho nos braços mais cedo do que poderia imaginar. Aquilo não foi o bastante. Uma surra não resolveria. Havia caído em si. Se deu conta da brutalidade. Já era tarde. Aos seus pés aquela presa já não reagia. Foi quando deu as costas e ameaçou descer as escadas. Sentiu um peso entre as pernas. Mas não olhou. Fingiu que não olhou. Com profunda ira arrastou-as. Presa ao cadarço de suas botas estava ela. O cabelo lavado em pranto se entrelaçou. Rolou as escadas. O sangue pichava as paredes. Acendeu um cigarro. Deixou o fósforo cair. Ninguém escutaria. Ninguém notaria a fumaça. Às vezes as mulheres são muito sentimentais. Não sabem aceitar os fatos. Não querem aceitar. Ainda por cima carregava um filho na barriga. Amanhã ele choraria a perda. E só.