Corpo Fechado
Já aos dez anos de idade conhecera a dor da perda. Seu irmão de cinco anos agonizava com um câncer no estômago.
_Conta uma histolinha?
_Conto. Era uma vez uma menina que morava... Amauri? Ele fechou os olhos e tombou a cabeça para o lado.
Foi um choro interminável da mãe, do pai e da menina, que aprendia da pior forma, que a vida podia ser cruel. Seu irmão partira.
Aos doze anos recebia um telegrama no portão e, curiosa, abriu para ler o conteúdo, mesmo sabendo ser para sua mãe.
Era sua vó dessa vez. Falecia vítima de um enfarto.
Dois anos depois o tio, câncer no cérebro; sua tia, coração; seu melhor amigo, acidente de carro, seu professor de educação física; sua madrinha...
Aos dezoito anos foi a vez de seu pai, num acidente na máquina de moer cana; depois a irmã, num parto difícil e sua sobrinha que mal chegou a nascer, se foi...
Casou-se, enviuvou; casou novamente, enviuvou outra vez...
Estava cansada de morte, tentara o suicídio duas vezes e nada.
Num vôo Rio/São Paulo, o avião caiu e a única sobrevivente...Ela.
Os anos se passavam e ela não parecia envelhecer.
_Era solitária, não tinha coragem de se casar novamente e tampouco fazia amigos, não queria perdê-los depois.
Até que um dia, num beco próximo ao cemitério, ouviu uma voz quando passava, depois de um dia exaustivo de trabalho:
-Dona Ana...
_Quem está aí?
_Eu, dona Ana...Seu mestre. Um homem horrível com um par de chifres e um rabo enorme. O engraçado é que Ana não sentia medo.
_Eu conheço você? Eu estou me lembrando...
_Sim, dona Morte, sou eu, Lúcifer. Pronta para voltar?
_Eu estou me lembrando de você. Mas como?
_Ora. Você fugiu do inferno lembra? Achou o trabalho muito pesado e fugiu.
_Trabalho? Sim, agora me lembro...Eu guiava as pessoas no portal...
_Sim. Mas não se preocupe, os mortos não ficaram desamparados com a sua ausência. Eles estiveram com você o tempo todo...