Último Encontro

Na pequena e esquecida cidade de San Olvido, um serviço peculiar e perturbador emergiu das sombras do luto: o Último Encontro. A ideia era simples, mas envolta em um manto de macabra sedução. As pessoas podiam pagar uma quantia considerável para ter um último momento com seus entes queridos, em um cemitério que parecia pulsar com a própria energia da morte. Esse espaço místico prometia não apenas uma despedida, mas uma conexão quase sobrenatural, um eco das almas que já partiram.

O cemitério era um labirinto de túmulos antigos, cobertos por um manto de musgo e flores silvestres que pareciam crescer em desespero. Cada visita era uma experiência única, pois o local tinha o hábito de mudar conforme a lua, como se estivesse vivo e respirando. As famílias escolhiam os túmulos com base em histórias sussurradas por guias locais, vozes sussurrantes que falavam de amores perdidos, promessas não cumpridas e almas penadas que vagavam à procura de consolo.

Em uma tarde nublada, em que o céu se tingia de um cinza profundo, Clara decidiu contratar o serviço para se despedir de seu avô, Miguel. Ele havia sido um homem sábio e enigmático, sempre envolto em histórias de vida e morte, que falava com reverência sobre a importância de honrar aqueles que se foram. Ao chegar ao cemitério, Clara sentiu uma mistura de tristeza e expectativa, uma sensação de que estava prestes a cruzar uma linha tênue entre os mundos.

O guia, um homem de olhar profundo e palavras pesadas, levou Clara até um túmulo isolado, cercado por flores mortas e um silêncio ensurdecedor. Formigas-cortadeiras trabalhavam incessantemente, carregando pedaços de folhas que pareciam mais sombrios do que o normal, como se estivessem em uma missão de vida ou morte.

“Essas formigas,” começou o guia, sua voz ecoando como um lamento, “são um símbolo do ciclo da vida, mas também da servidão. Elas cuidam de sua colônia, assim como nós devemos cuidar de nossas memórias. Quando uma formiga é infectada pelo fungo Ophiocordyceps, ela não apenas perde sua liberdade; torna-se um instrumento da própria morte. O fungo a transforma, e a formiga leva sua história para onde vai, como um eco de suas memórias, mesmo que distorcidas.”

Clara observou as formigas, fascinada e horrorizada. A ideia de que uma força invisível poderia controlar o comportamento de uma criatura tão pequena a fez refletir sobre o amor e a perda. O guia continuou, sua voz mais baixa, quase um sussurro: “Assim como essas formigas, nós também precisamos encontrar um propósito nas nossas despedidas. O Último Encontro é uma maneira de garantir que a memória dos que amamos nunca desapareça, mesmo que isso signifique aceitarmos a dor que a morte traz.”

Quando chegou a hora do encontro, Clara se ajoelhou diante do túmulo do avô. As palavras começaram a fluir como um rio escuro, carregando lembranças de risadas, conselhos e até mesmo os segredos que ele nunca ousou compartilhar. Em cada palavra, ela sentia uma presença, como se Miguel estivesse ali, ouvindo-a com atenção, mas também com uma tristeza profunda que transcendeu o tempo.

As formigas continuavam seu trabalho, imperturbáveis, enquanto Clara falava. Era como se o ciclo da vida e da morte se entrelaçasse em um único momento, uma dança macabra sob a luz mortiça que filtrava entre as nuvens. O fungo que transformava as formigas em zumbis era, de certa forma, um reflexo do luto que transformava os vivos. Ambos eram parte de um ciclo maior, uma conexão visceral que ninguém poderia compreender completamente.

À medida que Clara se levantava, o céu começou a escurecer ainda mais, como se a própria terra estivesse respondendo ao peso de suas emoções. O alívio era profundo, mas não sem um custo. A despedida não era apenas um adeus; era uma celebração da vida que ainda pulsava dentro dela, mas também uma aceitação da dor que a acompanhava. Com os olhos marejados, Clara se afastou do túmulo, sabendo que seu avô viveria em suas memórias, como as formigas que continuavam a trabalhar, sem nunca esquecer seu propósito.

O Último Encontro não era apenas um serviço; era um lembrete sombrio de que, mesmo na morte, há beleza e continuidade, mas também um toque de horror. E assim, em San Olvido, as pessoas aprendiam a honrar suas memórias, enquanto as formigas-cortadeiras continuavam sua dança eterna entre a vida e a morte, infelizes e servas de um destino que jamais escolheram.

Waldryano
Enviado por Waldryano em 24/03/2025
Código do texto: T8292866
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