A CAIXA DE VERDANA (reeditado para os amantes do terror)

 

 

'Certos segredos não deveriam ser expostos, seus lugares são os subterrâneos da alma, os confins do esquecimento e os sete palmos calados abaixo'

 

 

 

 

Pele clara, cabelos negros, doçura nos olhos verdejantes, com um sorriso franco nos lábios, quiçá saído do fundo d'alma, só mesmo uma coisa tirava Verdana do seu centro de equilíbrio, a simples pergunta sobre o conteúdo de sua caixa secreta, isso a transformava nitidamente Verdana se fechava em copas e algumas vezes, percebia-se um sutil brilho pardo fuzilante em seu olhar, estranho contraste.

 

Seus quarenta e dois anos possuiam altos e baixos e segredos tortuosos. Porquê a curiosidade das pessoas a remexia por dentro, só ela sabia. Seus rompantes moravam numa pequena caixa retangular, não mais que trinta centímetros de comprimento por quinze centímetros de largura e no máximo, um palmo de altura, mas, o peso do fardo que ela continha, faria cair por terra a imagem doce e delicada que tinham dela...

 

Verdana nem sempre morou naquela cidade, quando mais jovem viveu numa estância uns trinta quilômetros dali, a distância era pequena, mas, a mudança de personalidade dela era imensa.

 

Quanta crueldade habitou aquele corpo frágil de mente doentia, o pai Olavo, o marido Luiz e a filha Cecília...Deus os tenha...sentiram isso muito bem...e bem não seria a palavra correta, para descrever o que passaram.

 

Verdana casou-se cedo, poucas expectativas de grandes sonhos num lugarejo tão pequeno, simplesmente se deixou levar. O pai severo tinha o 'não' fixo na boca e um dos poucos 'sins' foi concordar com seu casamento com Luiz, um bom rapaz, na medida do possível um bom partido, lá não haviam muitas opções, Luiz era simpático e descobriu depois ser bom de cama, bom 'naquilo' e em dormir profundamente também. Só que nem sempre 'este sono' era em sua própria cama, dava suas fugidinhas em outros leitos carentes, seu maior erro com Verdana foi deixá-la perceber as suas mentiras.

 

A filha Cecília veio num descuido, já que vingou apesar de todos os chás que Verdana tomou, conformada deixou a gravidez seguir, nasceu uma criança linda e chorosa, irritante por demais, se pudesse calar sua boca para sempre seria uma benção, Verdana assim pensava. Cecília se tornou uma jovem inconsequente, mal amada e libertina, bela família 'feliz'...só que não...

 

Verdana, estava de saco cheio do dedo em riste do pai Olavo, de seus eternos 'nãos', das traições de Luiz e das decepções causadas por sua rejeitada e falante filha...aff! Cecília. Em uma semana Verdana encontrou sua paz.

 

Depois de muitos lamentos plastificados, algumas máscaras de tristeza e consternação, dormiu no sétimo dia com lágrimas falsas nos olhos, foi a melhor noite de sua vida. Dentro do armário uma caixa, só dela.

 

A mudança para outra cidade foi estratégica, após os tríplices falecimentos, nunca bem esclarecidos, alegou precisar de novos ares para refazer a vida e diluir a tristeza, coitada pensavam os vizinhos...uma perfeita atriz...

 

A cidadezinha escolhida não era tão distante da outra, mas, cheirava a coisa nova, sem moradores que soubessem de sua existência. Com o que herdou do pai e do marido, sobreviveria sem luxo, mas, realmente bem. Passou a fazer pães recheados e conseguia assim se manter tranquilamente. Fez algumas amigas, se comportava doce e cordialmente com todos, até se confessava nas missas, o que deixava o Padre Leandro em transpirantes dúvidas, pois só Deus poderia absolvê-la.

 

Ter conhecimento do conteúdo da caixa maldita, em poder de sua fiel era aterrador, muitas vezes ele mesmo precisava se confessar, pior era não perceber sequer um resquício de arrependimento, no tom de voz de Verdana. No seio da comunidade ela tinha uma atuação impecável. Que Deus salve sua alma, ele se sentia incapaz e se punia por isso em sua clausura.

 

Iolandinha e Fernanda eram suas mais diletas amigas, boas mulheres, só a imensa curiosidade delas a incomodava. Numa tarde de sábado fresquinha, estavam juntas na casa de Verdana, experimentando dois novos vestidos da amiga, elas viram a caixa secreta numa prateleira mais alta e já iam pondo as mãos, quando Verdana num salto animal, a retirou de suas mãos gritando ferozmente com elas

- NUNCA TOQUEM NESTA CAIXA!!!

 

Fernanda e Iolandinha estancaram atônitas e ao mesmo tempo a curiosidade pulsava febril dentro delas...que mistério...que reação improvável por parte da doce amiga...o que haveria de tão importante e misterioso naquela caixa? Que segredo Verdana escondia?

A curiosidade superava a amizade, agora tinham como meta, descobrir o segredo que amiga sufocava naquela indefectível caixa...sem saber, elas corriam perigo...

 

O episódio da caixa, parecia esquecido, quando Fernanda e Iolandinha deram um jeitinho de tirar Verdana de casa e como em toda cidade pequena, sempre existe uma janela aberta. Invadindo a casa correram até o armário da amiga e ficaram estarrecidas ao ver o conteúdo...um vidro com formol...assustadas o deixaram cair espalhando segredos de horror pelo assoalho...a língua de Cecília, um dedo indicador de Olavo e órgão sexual de Luiz...vômitos lhes remexeram por dentro e para piorar a situação Verdana entrou pela porta com 'sangue nos olhos' gritando

- MALDITAS ENXERIDAS!! Não podiam se conter!

 

Iolandinha e Fernanda estavam apavoradas demais para reagir, o quê foi ótimo para Verdana, golpeou suas cabecinhas abusadas com um ferro de passar e seus últimos suspiros foram inaudíveis. A falsa fragilidade de Verdana superava as expectativas, rapidamente cavou uma cova funda e as enterrou no quintal, junto com seus pertences e seus segredos do passado. Transplantou flores sobre o túmulo, nem fez diferença em seu quintal. Calmamente limpou milimetricamente a casa, tirou um cochilo, a maldade que nela habitava lhe causava sono.

 

Ao acordar refeita, começou a ligar para casa das amigas perguntando por elas, preocupada por não terem comparecido ao encontro. Por dias e dias foram dadas como desaparecidas, investigações foram feitas, mas, tudo ficou sem resposta. Só o que era latente e contundente era a tristeza de Verdana, não se consolava com o desaparecimento das amigas, ficou muito ligada às suas famílias depois do acontecido...

 

Na clausura, o Padre Leandro se punia quase que semanalmente, suas costas estavam perigosamente feridas. A cada Domingo depois da confissão de Verdana, seu estômago se revoltava e perguntava à Deus o que mais Ele desejava dele...definhava a olhos vistos, pobre homem...

 

 

 

 

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 09/02/2024
Reeditado em 16/02/2024
Código do texto: T7995569
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