A TRÍADE - A Besta, A Gorda e A Que Rosnava (dedicado aos recantistas Iolandinha Pinheiro, Luiz Cláudio Santos e Cristina Gaspar)

 

Era terça, era noite e era quase palpável, a sensação de que alguma coisa sombria, estava para acontecer.

 

A tríade armazenava o terror nos poros e, no momento eles estavam arrepiados. A Besta na roça, mesmo tendo sido albalrroado no passado por um boi, ainda os via como amigos, talvez por causa dos chifres e do rabo. A Besta estava exalando um odor fétido, transpirava meloso e esverdeado, isso não era um bom sinal...para as inocentes vítimas. 

 

A Gorda invadiu a confeitaria com a bocarra salivando, pegou uma bandeja e, além do café com leite duplo e açucarado, se serviu de tortas, bolos, pudins e frios, devorando tudo em poucos minutos. Babava de satisfação, mas, isso não a satisfez. Vai ao caixa e compra pra levar pra casa, vários pães doces e chocolates, deixando as pessoas em volta, meio que enojadas com a lambança, que deixou no chão e na mesa, além de sequer ter limpado a boca e as mãos, estava nojenta. A fome colossal que a Gorda sentia, não era anormal pra ela, mas, algumas pessoas por perto, poderiam desaparecer nos próximos dias. Só que mesmo sem deixar rastros, ela com certeza apareceria, com o ventre mais estufado...farto.

 

A mulher que rosnava, caminhava todos os dias, sempre observadora, rebelde, dona de uma impaciência, d'um verbo ácido por demais rascante, como um vinho, que para beber se despreza, só que no tempero faz festa. A sensação presente nela nesta terça, terços e rosários não resolveriam, mesmo que fossem dedilhados em novenas infinitas. A crueldade dentro dela, latia e rosnava, como o terrível cão do inferno. A tríade ansiosa previa júbilos e, o ar ficava em suspenso.

 

As plantas da aléia arborizada, orvalhavam amarelo e gosmento. O espelho d'água do lago embaçava, sem poder refletir o brilho prateado da Lua, que numa fase estranha parecia minguar muito mais rápido. As corujas, estavam com as penas eriçadas e, alertas como nunca. A boca da noite emudecia. Os vagalumes se apagaram e, se escondiam atrás dos bancos da praça, que apreensivos, deletaram das madeiras as memórias de tempos felizes. A atmosfera era nitidamente sombria, o que já era um contraponto.

 

As velas nos lâmpadarios das igrejas, subitamente se apagaram, nas missas o vinho sangue de Cristo, ressecou e os genunflexórios se cravaram de espinhos. As peles virgens eriçaram. As aleluias, tambores e vitórias emudeceram. Meca empreteceu. O muro secular das lamentações, do nada simplesmente ruiu. A escadaria do Bonfim desalinhou e o vento seco, espalhou as fitinhas dos desejos pelo ar. As burcas se abriram, deixando expostos os seus conteúdos proibidos e pensantes. As pombas de Roma assistiram, todo o ouro da fé desaparecer pelos ares, deixando até os subterrâneos destroçados.

 

Sendo naquela aléia brejeira do interior mineiro ou, em qualquer outro lugar no mundo. Os seculares quinze minutos de fama do Mal, se iniciavam.

 

Ali no solo mineiro, a Besta se transforma, crescendo até o alto de um morro, ganhando músculos e pelos ásperos. O fedor era acre e ácido, comparando ao chorume, se tornava suavemente perfumado perto da criatura. A sede de sangue e a vontade de calor fumegante era o seu Norte. O seu ataque se fazia dentro das mentes, pois atendendo ao seu mórbido chamado, as pessoas em transe, simplesmente seguiam para junto dele, deixando que seu sangue fosse sugado até a sua morte, em seguida, os seus corpos eram incinerados em seguida. Saciado ele explodia, se unindo aos seres estelares, até os quinze minutos de fama do século seguinte. Deixando morte e muita dor.

 

A fome da gorda grotesca era inexplicável, preferia homens gordos, por sentir que suas carnes eram suculentas e adocicadas. Para conseguir satisfação, se regozijava com os gritos de dor dos inocentes mortais. Ficavam corpos de gente e animais dilacerados e, os urros de agonia dos não mortos, que imploravam por um gesto de misericórdia, que nunca vinha. A saciedade transformava a gorda numa plantação de Sterculia foetida, que exalava um olor horroroso, em alguns meses do ano.

 

O palanque dos quinze minutos de fama da que rosnava, rasgava gargantas de mentes toscas, arrancava as línguas das bocas de verbo fútil e vergonhoso, tampouco deixava de lado, as bocas que divergissem do teor sagaz da sua razão, detestava gente sem inteligência ou embasamento para discutir. A mudez era opressiva após a sua retirada. Ao fim dos seculares quinze minutos de fama do Mal, a gêmea do cão do inferno, se misturava ao chão dos presídios, impedindo a recuperação dos criminosos. 

 

A tríade deixa a sua marca, na ampulheta da miragem arenosa do tempo, fazendo o seu resguardo, como um mal  acasulado, em suspenso, tal e qual hibernação de urso, que neste caso, não dura só os meses de Inverno e sim, um século, mas, o retorno é sempre certo.

 

 

 

 

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 14/08/2023
Reeditado em 21/08/2023
Código do texto: T7861261
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