SEQUELADO - dedicado aos amigos do terror e ao poeta Solano Brum 

Solano ao primeiro olhar, parecia só mais um veterano, empurrando um carrinho de supermercado, cheio de tralhas, vazio de lembranças mórbidas, estas se mantinham vivas dentro da sua mente enevoada. Ao voltar da guerra, não conseguiu conviver com a família, as suas crises e pesadelos os assustava, tornando a relação insuportável.

Ele mesmo decidiu sair, levando apenas os seus documentos e a sua carcaça indesejada. O que recebia do governo ele entregava inteiramente à sua ex-mulher, vivia de abrigo em abrigo, em becos, ruas e calçadas. Se alimentava pela solidariedade das igrejas, templos e missões. Verdana e os filhos Luna e Jadel, nunca mais o procuraram.

O veterano Antonio tinha uma realidade semelhante à dele e, por assim dizer, se tornou um amigo. Antonio ainda via o filho Olavo mensalmente, quando ele o acompanhava para receber a pensão, Olavo ficava com a maior parte e, sumia por mais um mês.

Solano sofria demais com os pesadelos, memórias de guerra, sangue e pedaços de irmãos, que matara sem sequer conhecer, tampouco capturava no foco da mente, o porque lutara.

Muitas vezes, Antonio o segurava, para que o amigo não tirasse a própria vida. Se pensa que Solano agradecia o gesto, se enganava, ao contrário ele se revoltava. Infelizmente num desses surtos, lançou um facão sem rumo no beco, onde muitos outros veteranos pousavam, acertando em cheio o peito de Luna sua filha, que por não conseguir viver com o remorso de não tentar ajudar o pai, resolveu procurá-lo justo naquele nefasto momento.

Vendo a filha morta, sangrando no beco por sua culpa...por causa de mais um surto seu, foi a gota d'água.

Solano corre trôpego pela marginal movimentada e, se atira na frente de um caminhão, virando uma pasta sobre o asfalto. O veículo desgovernou tombando na lateral da estrada, causando a morte do motorista. Eventos sem noção, tal e qual o sentido de uma guerra, que deixa sequelas irreversíveis.