SOMBRA CINZENTA - Gótico

 

Sepulturas e mausoléus brancos, sinônimo de paz e serenidade. Última morada, onde os vermes depois de saciados, deixam as ossadas nuas de carne, enfim descansar. O ambiente lúgubre e sombrio ao cair da noite, em nada muda a vida dos vivos e o silêncio marmorizado, só é quebrado com o barulho de pombos que por ali procuram abrigo, as almas errantes não os incomodam e também com o chacoalhar do molho de chaves do vigia do Solar dos Mortos. 

 

Luiz era vigia do Solar há mais de vinte anos, acreditava já ter visto de tudo naquele lugar. Ladrões de túmulos, roubo de esculturas de mármore, enfeites de bronze e até pequeninas molduras de fotos dos falecidos abastados, que eram de ouro. Às vezes precisava da ajuda da polícia, que saco! Nem depois de mortos os corpos tinham paz.

 

Só que numa noite fechada e sem Lua, um inusitado aconteceu. Uns jovens vestidos de negro e maquiagem pesada e preta contornando os olhos, passou por entre as grades da área destinada à cremação. Luiz foi até eles com um foco largo com a luz da lanterna e gritando com eles, ameaçando chamar a polícia, tentava em vão fazê-los sair.

 

Ao invés de se sentirem assustados, começaram a cantar uma música só no lá lá lá...sequente como um mantra, todos juntos em duplas foram se aproximando dele de forma extremamente lenta, com os olhares vítreos focados no dele. Luiz arrepiou até ao cóccix, pois embora bem vestidos em seu negrume, eles não eram zumbis como assistia nos filmes, confessou para si mesmo que estava com medo. Travou e não conseguia reagir, seu cérebro comandava, mas, os membros não respondiam, só rezava internamente, desejando que aquilo fosse apenas uma encenação, quem dera...

 

O tempo pareceu simplesmente parar, eles continuavam se aproximando e embora a distância entre eles não fosse grande, eles nunca chegavam, Luiz não conseguia se mexer e aquela música...ah! Aquela cantilena estranha repetitiva, estava deixando a sua cabeça desnorteada.

 

Literalmente o tempo parou ou todos ali supostamente vivos, estavam presenciando um fenômeno sobrenatural ou um mundo paralelo estava tentando interagir....que loucura! Alguma coisa, uma força ou sei lá o quê, fez o medo de Luiz passar dando lugar a curiosidade. Reparou que não conseguia se mexer, mas, como não saberia explicar, podia ouvir os pensamentos do rapaz mais alto do grupo e era um apelo sentido, até mesmo angustiante. As palavras eram lentas, ele pedia socorro pois haviam sido tirados como que abdusidos por uma sombra cinzenta, de um bar gótico infestado de emos, que indecisos pararam por lá, com suas franjas e ar de paisagem sofrida, completamente fora do seu habitat, só que Luiz não sabia como ajudar nem mesmo a ele próprio.

 

Não dava para saber quanto tempo naquele espaço sem tempo, aquela paralisia já estava acontecendo e num flashe relâmpago a tal sombra apareceu, cinzenta e sombria atirando todos no chão violentamente...seguindo a sua nebulosidade  até um mausoléu todo de granito e portão de prata polida, que Luiz sabia pertencer ao filho caçula de um nobre dos tempos do Império, que falecera num trágico acidente quando ainda bebê. A sombra arrancou o portão sumindo no ar em forma de ciclone levando em seu revolto rodopio o esquife pequenino.

 

A noite foi tão estranha e apavorante, os jovens não entendiam a relação deles com o morto ou com a sombra, porque Luiz era compreensivo por já estar no local, mas, eles?

 

Nada que se falasse ou detalhasse para os policiais que foram chamados por Luiz, conseguiria fazer com que eles acreditassem naquele relato louco e mórbido, até teste de embriaguez fizeram em todos e tudo seguiu sem resposta...nada de valor fora levado, acabaram liberando a todos. Difícil seria explicar o desaparecimento do esquife com os restos mortais do menino, para o responsável da família pela manutenção do mausoléu

 

Desde que Luiz trabalhava lá, somente uma vez viu alguém passar pelos portões de prata, era uma moça loura vestida totalmente de couro negro...cofiando os bigodes grisalhos, Luiz não se recordou de tê-la visto sair...

 

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 14/05/2022
Reeditado em 14/05/2022
Código do texto: T7515717
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