TIÂO DA FLORESTA
Fazia sua caçada noturna na floresta, que era cortada pelo rio quando tudo acoteceu.
o viu. Aquela coisa não era desse mundo.
De longe sentiu o cheiro de algo podre. Alguma coisa se mexeu num arbusto próximo.. Mirou e atirou, mas nada aconteceu.
Parou e prestou bem atenção, mas ouviu apenas os sons da noite. Os grilos cantando e alguns pirilampos com seus pequenos lumes daqui e dali. Gostava daqueles sons e do mistérios que eles traziam.
A escuridão era total. Nem lua tinha aquela noite
Um vento gelado bateu soprando nas folhas das árvores enquanto emitia um zumbido irritante.
Podia sentir que tudo de agitava. Os animais à sua volta pareciam enfurecidos, cobras rastejavam bem próximas. Algo passou sobre seus pés fazendo com que saltasse para o lado.
Depois de algum tempo ouviu um uivo estranho e atirou novamente.
Um urro ecoou por entre as árvores da floresta.
Sentiu que algo perigoso estava para acontecer.
Por causa de tudo o que sabia sobre aquela cidade e aquela mata podia ter a certeza de que o que o espreitava por de trás das árvores não era coisa desse mundo. Nada em Rio das Sombras era desse mundo pensou.
Arrependeu-se de ter vindo, ainda podia ouvir a voz de Maria sua esposa dizendo: -Tião não vai caçar naquela mata, sabe muito bem de tudo o que dizem que já aconteceu por lá. - Mas ele insistiu e foi e nada aconteceu. Tranquilizou-se e planejou voltar, pensou que talvez fosse tudo boato do povo e agora estava ali morrendo de medo.
Ouviu passos, atirou de novo, nada aconteceu.
Sentiu algo passando perto de si, um movimento muito rápido que resfriou seu corpo, como se um vento sinistro uivasse por entre as árvores. Sentiu passar novamente enquanto aquele estranho odor horrível aumentava e se espalhava à sua volta.
Quando olhou para trás deparou-se com aquela coisa. Sentiu um tremor percorrer todo o corpo, o coração disparou e um suor frio descia como bica. Era horrível o que estava à sua frente. Uma criatura pálida, muito magra, carnes carcomidas. Um resto de gente, uma parte esqueleto outra parte carne em decomposição. Estava desmanchando e partes do corpo caiam pelo chão. O fedor de carniça era insuportável. As roupas rasgadas e quase todo o corpo à mostra. Não tinha cabelo, podia ver os ossos do queixo e as cavidades do nariz. As bochechas conservavam um pouco de carne pútrida. Na barriga um oco onde saltam para fora os restos dos órgãos internos. Parte da perna era carne outra parte ossos. Conservava ainda os órgãos genitais expostos. Uma costela estava quebrada e o osso saltava para fora. Podia ver algumas veias no pescoço e uma delas jorrava um sangue quase preto. Urrava, gemia e uivava ao mesmo tempo, num som tenebroso e agudo que escapava pelas cavidades abertas. Expressão viva do terror e da maldade. Babava um líquido verde que escorria no que ainda lhe sobrava dos lábios em pedaços. Jogou a língua para fora lambendo os lábios e exibindo um músculo esverdeado e áspero. Trazia uma expressão de maldade medo e ânsia de devorar. Como se estivesse sendo obrigado a agir daquela forma. Os olhos da fera por trás de duas íris de sangue refletiam a imagem de um homem assustado. Naqueles olhos onde morava o terror, seu medo estava espelhado numa terrível careta.
O monstro deu mais um passo e esticou os braços à sua frente como um zumbi desses que vemos em filmes, para enforcá-lo.
Pensou em correr, mas seus pés estavam grudados ao chão.
O monstro urrou, e ao abrir a boca, a carniça intensificou-se. Tião sentiu náuseas vomitou sofreu tonturas, cambaleou quis andar, mas só conseguiu dar alguns passos, até que aquelas garras que provinham de um braço de carne podre até o cotovelo e terminavam com ossos nas extremidades se fecharam sobre ele. Ficou paralisado, mas não morreu, teve alguns momentos de lucidez suficientes para se arrepender de ter ido caçar por ali e depois só pode pensar na dor ao ser devorado vivo por aqueles dentes afiados da faminta criatura
Era um zumbi agora e repetiria a tradição de andar por ali buscando carne viva para saciar sua fome. A podridão buscando a vida para gerar mais podridão e perpetuar o terror. Somente carne viva podia satisfazê-lo.
Tião da floresta o morto vivo passou vaga...