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O Último Prego do Caixão (4º Trecho)

Quando se olha muito tempo para o abismo,
o abismo olha para você.
Friedrich Nietzche

 
          Todo lugar cujo Homem habita tem seus estigmas; entretanto, o Jardim Santa Minerva já nascera estigmatizado.
          Sua fundação remonta à época das imensas fazendas escravistas comandadas a punho de ferro por uma mísera parcela de famílias ricas e inescrupulosas, que levava a punição de seus desafetos por vezes às raias da perversão.
          Minerva Mateo vinha de uma região abastada de Mogi das Cruzes e desde cedo buscara humanizar o tratamento dispensado aos escravos, visto as barbáries cometidas por seus donos e comerciantes — altruísta, fornecia proteção e trabalho a velhos, mulheres grávidas e adolescentes fugitivos de fazendas próximas, angariando simpatia entre estes e, consequentemente, conquistando a ira dos fazendeiros.
          Tinha quase setenta anos, quando foi raptada de seu sítio em Ferraz de Vasconcelos, levada para uma área descampada a norte da estação de trem de Guaianases e brutalmente sodomizada por filas de escravos, enquanto seus patrões bebiam e festejavam à sua volta, cortando-lhe dedos, orelhas e língua e os atirando aos porcos. O suplício durou dois dias inteiros e, ao fim, ela teve o corpo esquartejado a machadadas e os membros espalhados entre as fazendas como um macabro lembrete para aqueles que ousassem fugir.
          Ironicamente a atrocidade resultou-se contrária à esperada, fomentando revoltas e motins, culminando em invasões a propriedades e assassinato dos principais responsáveis pelo crime. No local onde a barbárie fora cometida, a dois quilômetros da mirrada estação de trens, erigiram um memorial à Minerva Mateo, que mais tarde tornou-se uma capela — e, estimulada pela crença popular de operar milagres, ao longo das décadas foi crescendo e elevando o status da sofrida senhora à santa, originando a Igreja de Santa Minerva.
          E.
       
O bairro em seu entorno se expandiu no decorrer dos anos, infelizmente de forma desordenada e marginal. Por situar-se numa região afastada e menos favorecida, tornara-se reduto de toda a má sorte de gente, de trabalhadores braçais e imigrantes estrangeiros a prostitutas e fugitivos da polícia, logo ganhando fama de Whitechapel brasileira, um lugar obscuro evitado até mesmo pelas autoridades. O que acontece por lá é melhor que permaneça lá, diziam.
          Isso se deu em fins do século XIX, perdurando até meados do século seguinte, passando por fases de sangrentos conflitos e depois relativa tranquilidade e crescimento, resultando num ambiente viável à classe operária — estimulando a vinda de famílias de imigrantes já ali estabelecidos e ocasionando verdadeira miscigenação cultural.
Sabor de Sangue e O Marceneiro
Enviado por Sabor de Sangue em 08/07/2020
Reeditado em 04/09/2020
Código do texto: T6999643
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