Débora
Obs: Há muito tempo li em algum lugar que o significado do nome Débora era Diaba. Já tentei encontrar a fonte, mas não consegui. Esta estória é apenas para que eu não deixe o fato passar em "Branco".
Débora era pequena e branquinha, os cabelos ruivos como os de uma espiga de milho. De cabeça baixa, caminhava depressa pela trilha escura do canavial, a lua cheia lá no céu fitando-a com seu agourento olhar vermelho. Ao redor, o silêncio profundo, adensado pelo bafejo pálido da neblina, tornara-se tão opressivo que era quase possível senti-lo sobre os ombros.
Todos conheciam os riscos das altas horas da noite e em épocas de quaresma a população sequer saía de suas casas, encerrando as solitárias estradas que cruzavam as cidadezinhas de Cruz das Almas e Chora Menino numa calma digna de cemitério. No simplório imaginário popular era nessa época que "coisas ruins" deixavam seus esconderijos no inferno para vagar entre os vivos.
E também havia pessoas ruins que se aproveitam desse ingênuo imaginário.
Zé do Galo e Cavalo Brabo há muito invadiam curais e celeiros para roubar, sempre fazendo ruídos esquisitos ou estripando animais de forma estranha para dissimular que o coisa ruim ali estivera. Medrosas, as pessoas não se atreviam a qualquer ação, além de ajoelhar e rezar.
— Zé, tô querendo fazer uma coisa diferente hoje — disse Cavalo Brabo.
Os dois andavam emparelhados pelo meio do canavial, um par de leitões decapitados jogado sobre as costas, uma garrafa de cachaça tomada no gargalo à revelia . O roubo fora numa fazenda das proximidades e haviam matado mais duas galinhas, as enfiado na cabeça decepada dos animais e depois as posicionado no centro do curral. A esquisitice seria o assunto da cidade no dia seguinte.
— Deixa de besteira, você precisa é alisar couro de mulher… mulher nova, não aqueles bagaços do puteiro do Chicão.
— Zé, viu isso?
Aproximavam-se da estrada e por entre os pés de cana viram Débora passar fazendo ruídos no cascalho. Apressada, ela nem os notou.
— Zé, tem coisa melhor que xibiu novo? — sussurrou Cavalo Brabo, colocando o leitão no chão e empunhando uma grande faca, ainda melada de sangue. Tomou uma golada, um sorriso pervertido anuviando-lhe o rosto. — Quero ver eu voltar virgem para casa hoje.
— Que vai fazer, ficou louco? Se alguém descobre a gente?
— Descobre como? Depois é só meter a faca na goela e enterrar no meio desse monte de cana. Nem o capeta acha.
Os dois caminharam rápido entre o canavial, fazendo o mínimo barulho possível. Adiante havia o cruzamento das estradas de Cruz das Almas e Chora Menino e sabiam que se atacassem ali, em campo aberto, seria impossível a garota correr e se esconder.
— Ela é bonitinha e nesse vestidinho florido vai ser mais fácil ainda — disse Zé do Galo observando-a por entre as folhagens. — É até desperdício usar tudo hoje, é melhor levar ela para dentro do mato, lá no pé da serra. A gente amarra e usa quando quiser.
— Você é esperto, Zé.
Continuaram avançando depressa e, parando um pouco mais à frente, agachados, esperaram a aproximação da garota. Eram dois adultos, homens feitos e ainda fortalecidos pela desinibição do álcool, seria um ataque selvagem e desigual.
— É melhor tirar as roupas e deixar aqui no canto. Caso espirre sangue, fica fácil limpar — sugeriu Zé do Galo.
— Posso saber aonde a bonequinha vai? — falou Cavalo Brabo, surgindo no meio da estrada, à frente de Débora, empunhando a enorme faca. Zé do Galo apareceu ao seu lado, enrolando a camisa entre os punhos como que preparando um garrote. Ambos estavam nus.
Trêmula, Débora sequer erguia o olhar para seus algozes e sem qualquer aviso começou a urinar, o líquido descendo por entre as pernas e formando uma larga poça no cascalho.
Os homens riram alto, satisfeitos com o horror infligido.
— Deve ser virgem, a danada, é hoje que quebro um cabaço — falou Cavalo Brabo e avançou.
Porém.
De súbito, Débora ergueu a cabeça e no lugar que deveria haver sua face na verdade estava o rosto do próprio Cavalo Brabo, rasgado e minando sangue pelas órbitas. De sua boca, um líquido espesso e negro vazava para o queixo numa horrenda cascata.
— Diabos, que praga é essa?! — titubeou ele dando um pulo para trás, aterrorizado.
Mas.
Ao fazer isso, esbarrou em algo e ao virar-se seus olhos quase estouraram de pavor. Ali estava um demônio dantesco, com cara de touro e imensos chifres, o corpo peludo cheirando a enxofre e a mão direita lubrificando com areia um pênis descomunal, repleto de espinhos.
— Não vou nem precisar rasgar sua roupa. Já está peladinho — zombou num vozeirão cavernoso, seu sorriso maléfico revelando afiadas presas vermelhas.
Vendo aquilo, Zé do Galo se afastou e tentou correr, mas Débora falou algo e ao olhar naquela direção ele presenciou sua terrível transformação. Numa espécie macabra de truque de mágica, a garota segurou os próprios cabelos e os puxou para cima, retirando o disfarce como quem troca de roupas, apresentando um horrendo diabo cor de piche, olhos luzidios e dentes de víbora que nem cabiam na boca.
— Vem cá, tem para você também — disse, mostrando um falo colossal recoberto de esporas. — Não queria se aproveitar da virgenzinha?
Os dois homens foram se encostando um no outro, encurralados, berrando e pedindo socorro. Mas a ajuda não veio; pelo contrário, começaram a ouvir passos se aproximando e ao olhar nos arredores, surgindo na neblina, viram um batel de seres bestiais caminhando ao encontro deles.
— Não, não, nãooooo! — berraram.
E a partir desta noite, em épocas de quaresma, horríveis gritos eram ouvidos naquela encruzilhada. Jamais se soube o paradeiro de Zé do Galo e Cavalo Brabo — e aos incrédulos era mencionado os animais mortos e também as roupas encontradas, nutrindo de mistério o imaginário popular.
Todos conheciam os riscos das altas horas da noite e em épocas de quaresma a população sequer saía de suas casas, encerrando as solitárias estradas que cruzavam as cidadezinhas de Cruz das Almas e Chora Menino numa calma digna de cemitério. No simplório imaginário popular era nessa época que "coisas ruins" deixavam seus esconderijos no inferno para vagar entre os vivos.
E também havia pessoas ruins que se aproveitam desse ingênuo imaginário.
Zé do Galo e Cavalo Brabo há muito invadiam curais e celeiros para roubar, sempre fazendo ruídos esquisitos ou estripando animais de forma estranha para dissimular que o coisa ruim ali estivera. Medrosas, as pessoas não se atreviam a qualquer ação, além de ajoelhar e rezar.
— Zé, tô querendo fazer uma coisa diferente hoje — disse Cavalo Brabo.
Os dois andavam emparelhados pelo meio do canavial, um par de leitões decapitados jogado sobre as costas, uma garrafa de cachaça tomada no gargalo à revelia . O roubo fora numa fazenda das proximidades e haviam matado mais duas galinhas, as enfiado na cabeça decepada dos animais e depois as posicionado no centro do curral. A esquisitice seria o assunto da cidade no dia seguinte.
— Deixa de besteira, você precisa é alisar couro de mulher… mulher nova, não aqueles bagaços do puteiro do Chicão.
— Zé, viu isso?
Aproximavam-se da estrada e por entre os pés de cana viram Débora passar fazendo ruídos no cascalho. Apressada, ela nem os notou.
— Zé, tem coisa melhor que xibiu novo? — sussurrou Cavalo Brabo, colocando o leitão no chão e empunhando uma grande faca, ainda melada de sangue. Tomou uma golada, um sorriso pervertido anuviando-lhe o rosto. — Quero ver eu voltar virgem para casa hoje.
— Que vai fazer, ficou louco? Se alguém descobre a gente?
— Descobre como? Depois é só meter a faca na goela e enterrar no meio desse monte de cana. Nem o capeta acha.
Os dois caminharam rápido entre o canavial, fazendo o mínimo barulho possível. Adiante havia o cruzamento das estradas de Cruz das Almas e Chora Menino e sabiam que se atacassem ali, em campo aberto, seria impossível a garota correr e se esconder.
— Ela é bonitinha e nesse vestidinho florido vai ser mais fácil ainda — disse Zé do Galo observando-a por entre as folhagens. — É até desperdício usar tudo hoje, é melhor levar ela para dentro do mato, lá no pé da serra. A gente amarra e usa quando quiser.
— Você é esperto, Zé.
Continuaram avançando depressa e, parando um pouco mais à frente, agachados, esperaram a aproximação da garota. Eram dois adultos, homens feitos e ainda fortalecidos pela desinibição do álcool, seria um ataque selvagem e desigual.
— É melhor tirar as roupas e deixar aqui no canto. Caso espirre sangue, fica fácil limpar — sugeriu Zé do Galo.
— Posso saber aonde a bonequinha vai? — falou Cavalo Brabo, surgindo no meio da estrada, à frente de Débora, empunhando a enorme faca. Zé do Galo apareceu ao seu lado, enrolando a camisa entre os punhos como que preparando um garrote. Ambos estavam nus.
Trêmula, Débora sequer erguia o olhar para seus algozes e sem qualquer aviso começou a urinar, o líquido descendo por entre as pernas e formando uma larga poça no cascalho.
Os homens riram alto, satisfeitos com o horror infligido.
— Deve ser virgem, a danada, é hoje que quebro um cabaço — falou Cavalo Brabo e avançou.
Porém.
De súbito, Débora ergueu a cabeça e no lugar que deveria haver sua face na verdade estava o rosto do próprio Cavalo Brabo, rasgado e minando sangue pelas órbitas. De sua boca, um líquido espesso e negro vazava para o queixo numa horrenda cascata.
— Diabos, que praga é essa?! — titubeou ele dando um pulo para trás, aterrorizado.
Mas.
Ao fazer isso, esbarrou em algo e ao virar-se seus olhos quase estouraram de pavor. Ali estava um demônio dantesco, com cara de touro e imensos chifres, o corpo peludo cheirando a enxofre e a mão direita lubrificando com areia um pênis descomunal, repleto de espinhos.
— Não vou nem precisar rasgar sua roupa. Já está peladinho — zombou num vozeirão cavernoso, seu sorriso maléfico revelando afiadas presas vermelhas.
Vendo aquilo, Zé do Galo se afastou e tentou correr, mas Débora falou algo e ao olhar naquela direção ele presenciou sua terrível transformação. Numa espécie macabra de truque de mágica, a garota segurou os próprios cabelos e os puxou para cima, retirando o disfarce como quem troca de roupas, apresentando um horrendo diabo cor de piche, olhos luzidios e dentes de víbora que nem cabiam na boca.
— Vem cá, tem para você também — disse, mostrando um falo colossal recoberto de esporas. — Não queria se aproveitar da virgenzinha?
Os dois homens foram se encostando um no outro, encurralados, berrando e pedindo socorro. Mas a ajuda não veio; pelo contrário, começaram a ouvir passos se aproximando e ao olhar nos arredores, surgindo na neblina, viram um batel de seres bestiais caminhando ao encontro deles.
— Não, não, nãooooo! — berraram.
E a partir desta noite, em épocas de quaresma, horríveis gritos eram ouvidos naquela encruzilhada. Jamais se soube o paradeiro de Zé do Galo e Cavalo Brabo — e aos incrédulos era mencionado os animais mortos e também as roupas encontradas, nutrindo de mistério o imaginário popular.
Obs: Há muito tempo li em algum lugar que o significado do nome Débora era Diaba. Já tentei encontrar a fonte, mas não consegui. Esta estória é apenas para que eu não deixe o fato passar em "Branco".