O FANTASMA DE ROSA
Ioio era seu apelido carinhoso, moça morena cheia de vida e segredos, segredos macabros. Tão absurdos que sua irmã Rosa tinha constantes pesadelos, só ela sabia da dupla personalidade da irmã, sentia por ela um amor puro e um medo aterrador, por este motivo se calava.
Tudo teve início, com os bichinhos de estimação na infância, o gatinho que apareceu degolado, o cão querido de sua falecida mãe com o pescoço torcido e as patinhas quebradas, o seu querido coelho branco sem o rabo e as orelhas, o pobre morreu sangrando, os pintinhos do galinheiro morriam sempre afogados. Para todas estas mortes o pai sempre arrumava uma desculpa para ela, parecia temer causar quaisquer aborrecimentos para Ioio, fazia todas as suas vontades.
Já na adolescência, um menino, o pequeno Luiz que seguia Ioio como um imã, num dia de Sol maravilhosamente ameno, durante as brincadeiras no rio próximo à casa delas morreu afogado, foi bem estranho porque ele nadava muito bem e no trecho em que estavam, não havia correnteza, foi um dia de muita tristeza, mas, Ioio continuou nadando como se nada tivesse acontecido, dias depois nem tocava no nome do menino, o pai lhe disse que acidentes acontecem, mas, Rosa começou a não acreditar mais no que o pai falava, via no olhar dele o medo pulsando.
Uma velha curandeira que Rosa encontrou por acaso, quando foi à vendinha comprar açúcar a pedido do pai, aliás foi assustadora a abordagem da velha. Segurou os dois braços de Rosa dizendo
- O diabo moreno já matou a mãe, os bichos, o amigo, agora será o pai
Rosa se soltou da mulher e correu de volta para casa apavorada. Entrou esbaforida a tempo de ver o pai dar o último suspiro com uma faca enfiada no peito e Ioio ao lado, de olhos baços e sangue nas mãos dizendo
- Eu tentei tirar a faca, tentei tirar a faca, não sei como ele caiu sobre ela
Só que Rosa não acreditava mais, correu até a venda de novo, desta vez pedindo ajuda e o casal de vendeiros foram com ela, mas, já era tarde demais, só restava enterrar o pai. Como Rosa já havia completado dezoito anos, ficou responsável pela irmã que tinha quinze.
Rosa sabia de toda a lida da pequena propriedade, continuaria vendendo os legumes, verduras e galinhas e a vida seguiria em frente, mas, mal dormia sem saber o que esperar da irmã, realmente tinha n'alma um medo imenso dela. As palavras da velha curandeira ficaram tatuadas em sua mente. O tempo passava, Ioio a ajudava na lida sempre calada, mas, muitas vezes fugia para o outro lado do rio, às vezes demorava dois dias para voltar, nunca deu uma satisfação à Rosa, vinha soturna, tinha pesadelos e gargalhava dormindo e se retorcia como se estivesse possuída. Rosa que já pouco dormia, nessas noites só rezava, suas confissões domingueiras andavam preocupando o pároco, pobre menina, herdara um problema que parecia sem solução, ela visivelmente definhava.
Num sábado quente duas semanas depois, Rosa depois da lida, resolveu tomar um banho de rio, mal tinha mergulhado, alguma coisa bateu em suas pernas, se levantou assustada, pensando ser uma cobra, mas, o provável grito morreu na garganta, pois viu descendo a curva do rio, o corpo da velha curandeira com a garganta rasgada. Rosa saiu do rio tremendo tanto, tanto que desmaiou, só voltando a si com Ioio batendo violentamente em seu rosto, gritando
- Você bebeu Rosa, você me deu um susto tremendo
Só que seu rosto não tinha nenhuma expressão. Assim que Rosa se levantou, Ioio se afastou rindo, mais uma vez Rosa guardou para si alguma coisa, desta vez a visão do corpo da curandeira descendo o rio, quase pedia para Deus lhe chamar, não suportava mais aquela existência.
Os dias continuavam correndo inexoralvelmente, os sumiços de Ioio eram constantes agora, Rosa se consumia de culpa, desespero, covardia, medo e tantas outras emoções, definhava a cada dia mais, implorava aos céus por redenção e ao demo por solução. Resolveu naquela tarde seguir Rosa do outro lado do rio e a visão que teve foi sufocante. Ao chegar num trecho de mata mais fechada Ioio de repente ganhou chamas, queimava descarnando e apresentando os ossos até ser tornar apenas chamas. Pegando uma prea desavisada a cremou como que se alimentando dela, um espetáculo de horror, Rosa sufocou um grito em seu esconderijo.
Da mesma forma rápida em se se transformou em chama viva, voltou ao seu corpo e desmaiou sobre o mato alto, tremia como se estivesse possuída. Rosa não quis se aproximar, fugiu sorrateiramente de volta para casa, nem vendo bem por onde pisava, o que foi fatal. Pisou numa armadilha de caça e caindo sem controle arrebentou a cabeça sobre uma pedra e sua alma se desprendeu, mas, não foi para um céu lindo tampouco um buraco negro fervente, se sentia livre num espaço fosco como num limbo aguardando a verdadeira passagem.
Enquanto isso, Ioio desperta do transe macabro, cheirando o ar como um animal, corre pra casa e no caminho se depara com o corpo de Rosa. Num rompante de emoção que nem sabia sentir, chora copiosamente por apenas alguns segundos, estanca e soltando a irmã da armadilha, segurando por uma de suas pernas, vai levando seu corpo arrastando pelo mato, como um bicho morto até chegar à casa.
Descansa por algumas horas brincando com o corpo e rindo da situação, lembra da mãe sendo sufocada, da faca no peito do pai, de todas as mortes que provocara, fria, gélida, impassível. Só depois vai até a cidade procurar o padre e um médico para comunicar o fato. Todos se entristecem, quantas perdas naquela pequena família e Ioio muda, como se chocada, só que ela não sentia emoção alguma...ah! se soubessem a verdade...só estava observando um garotinho tenro que sorria para ela como para confortá-la, mais tarde serviria de aperitivo...quem sabe...
Rosa enterrada, Ioio dava conta da propriedade e da lida sozinha, tinha uma energia que ninguém sabia de onde via, parecia um touro. Na madrugada do sétimo dia, conferiu o sabor do garotinho, até que era passável, seus pais iriam sentir sua falta na cama. Esse povo de cidade pequena que dorme tranquilo de porta sem tranca, como foi fácil sufocá-lo e comer uma provinha dele, nem se lembrava como fizera aquilo, mas foi bom. Só não contava com a visão que teve de Rosa sentada à beira de sua cama olhando diretamente para ela, como se flutuando numa nuvem, mas, com os olhos doces fumengando brasa, se assustou deveras, transpirou como uma porca no cio e não conseguiu mais pregar os olhos.
Só que não foram melhores os seus dias, nem noites, principalmente as madrugadas. Onde quer que estivesse sozinha, o fantasma de Rosa aparecia, mudo e assombrando cada momento seu, começou a achar que estava ficando louca, nunca soube como se transformava em chamas, também não tinha noção da fome mórbida que sentia, só desejava que Rosa realmente sumisse de sua vida e levasse a visão do pai perdoando todos os seus pecados junto com ela, estava cansada de tanta vigília, o corpo perecia doendo.
Numa tarde morna de Outubro, fez algo impensável, foi até a paróquia e se confessou, cada mínimo detalhe, para um padre velho e estarrecido que se benzia a cada palavra proferida por ela. A moça estava louca ou o demônio o desafiava, não poderia conceber a existência de um ser assim; Por dentro pedia à Deus que o mantivesse são. Sentiu um cheiro de mato verde e viu Rosa ao seu lado, tremeu, mas, não fez transparecer. Ela pegou sua mão e segredou
- Calma, confira a ela uma penca de rezas como punição, a abençõe e aguarde, que muito breve tudo isso acabará.
Se você já viu uma pessoa beirando a insanidade era eu, Estevão. Pois se não fosse a confissão de Ioio, ninguém saberia destes fatos aterrorizantes, fui tachado de louco, punido pela Igreja por revelar segredos de confessionário, fui parar numa cidade minúscula bem longe dali, onde Deus me permitiu plantar e colher para a subsistência e viver em paz com meus demônios bem guardados na alma.
Só para concluir
Ioio teve um surto em plena praça dois dias depois, gritava que Rosa a deixasse em paz, estremecia, descarnou, virou chamas só que desta vez, só restaram cinzas carregadas pelo vento Sudoeste, nunca tantos moradores elevaram tantas orações à Deus ao mesmo tempo. Um feixe de luz brilhante apareceu e subiu aos céus, mas, que rapidamente desapareceu, talvez Rosa tenha encontrado enfim, o seu verdadeiro caminho de paz.
Ioio era seu apelido carinhoso, moça morena cheia de vida e segredos, segredos macabros. Tão absurdos que sua irmã Rosa tinha constantes pesadelos, só ela sabia da dupla personalidade da irmã, sentia por ela um amor puro e um medo aterrador, por este motivo se calava.
Tudo teve início, com os bichinhos de estimação na infância, o gatinho que apareceu degolado, o cão querido de sua falecida mãe com o pescoço torcido e as patinhas quebradas, o seu querido coelho branco sem o rabo e as orelhas, o pobre morreu sangrando, os pintinhos do galinheiro morriam sempre afogados. Para todas estas mortes o pai sempre arrumava uma desculpa para ela, parecia temer causar quaisquer aborrecimentos para Ioio, fazia todas as suas vontades.
Já na adolescência, um menino, o pequeno Luiz que seguia Ioio como um imã, num dia de Sol maravilhosamente ameno, durante as brincadeiras no rio próximo à casa delas morreu afogado, foi bem estranho porque ele nadava muito bem e no trecho em que estavam, não havia correnteza, foi um dia de muita tristeza, mas, Ioio continuou nadando como se nada tivesse acontecido, dias depois nem tocava no nome do menino, o pai lhe disse que acidentes acontecem, mas, Rosa começou a não acreditar mais no que o pai falava, via no olhar dele o medo pulsando.
Uma velha curandeira que Rosa encontrou por acaso, quando foi à vendinha comprar açúcar a pedido do pai, aliás foi assustadora a abordagem da velha. Segurou os dois braços de Rosa dizendo
- O diabo moreno já matou a mãe, os bichos, o amigo, agora será o pai
Rosa se soltou da mulher e correu de volta para casa apavorada. Entrou esbaforida a tempo de ver o pai dar o último suspiro com uma faca enfiada no peito e Ioio ao lado, de olhos baços e sangue nas mãos dizendo
- Eu tentei tirar a faca, tentei tirar a faca, não sei como ele caiu sobre ela
Só que Rosa não acreditava mais, correu até a venda de novo, desta vez pedindo ajuda e o casal de vendeiros foram com ela, mas, já era tarde demais, só restava enterrar o pai. Como Rosa já havia completado dezoito anos, ficou responsável pela irmã que tinha quinze.
Rosa sabia de toda a lida da pequena propriedade, continuaria vendendo os legumes, verduras e galinhas e a vida seguiria em frente, mas, mal dormia sem saber o que esperar da irmã, realmente tinha n'alma um medo imenso dela. As palavras da velha curandeira ficaram tatuadas em sua mente. O tempo passava, Ioio a ajudava na lida sempre calada, mas, muitas vezes fugia para o outro lado do rio, às vezes demorava dois dias para voltar, nunca deu uma satisfação à Rosa, vinha soturna, tinha pesadelos e gargalhava dormindo e se retorcia como se estivesse possuída. Rosa que já pouco dormia, nessas noites só rezava, suas confissões domingueiras andavam preocupando o pároco, pobre menina, herdara um problema que parecia sem solução, ela visivelmente definhava.
Num sábado quente duas semanas depois, Rosa depois da lida, resolveu tomar um banho de rio, mal tinha mergulhado, alguma coisa bateu em suas pernas, se levantou assustada, pensando ser uma cobra, mas, o provável grito morreu na garganta, pois viu descendo a curva do rio, o corpo da velha curandeira com a garganta rasgada. Rosa saiu do rio tremendo tanto, tanto que desmaiou, só voltando a si com Ioio batendo violentamente em seu rosto, gritando
- Você bebeu Rosa, você me deu um susto tremendo
Só que seu rosto não tinha nenhuma expressão. Assim que Rosa se levantou, Ioio se afastou rindo, mais uma vez Rosa guardou para si alguma coisa, desta vez a visão do corpo da curandeira descendo o rio, quase pedia para Deus lhe chamar, não suportava mais aquela existência.
Os dias continuavam correndo inexoralvelmente, os sumiços de Ioio eram constantes agora, Rosa se consumia de culpa, desespero, covardia, medo e tantas outras emoções, definhava a cada dia mais, implorava aos céus por redenção e ao demo por solução. Resolveu naquela tarde seguir Rosa do outro lado do rio e a visão que teve foi sufocante. Ao chegar num trecho de mata mais fechada Ioio de repente ganhou chamas, queimava descarnando e apresentando os ossos até ser tornar apenas chamas. Pegando uma prea desavisada a cremou como que se alimentando dela, um espetáculo de horror, Rosa sufocou um grito em seu esconderijo.
Da mesma forma rápida em se se transformou em chama viva, voltou ao seu corpo e desmaiou sobre o mato alto, tremia como se estivesse possuída. Rosa não quis se aproximar, fugiu sorrateiramente de volta para casa, nem vendo bem por onde pisava, o que foi fatal. Pisou numa armadilha de caça e caindo sem controle arrebentou a cabeça sobre uma pedra e sua alma se desprendeu, mas, não foi para um céu lindo tampouco um buraco negro fervente, se sentia livre num espaço fosco como num limbo aguardando a verdadeira passagem.
Enquanto isso, Ioio desperta do transe macabro, cheirando o ar como um animal, corre pra casa e no caminho se depara com o corpo de Rosa. Num rompante de emoção que nem sabia sentir, chora copiosamente por apenas alguns segundos, estanca e soltando a irmã da armadilha, segurando por uma de suas pernas, vai levando seu corpo arrastando pelo mato, como um bicho morto até chegar à casa.
Descansa por algumas horas brincando com o corpo e rindo da situação, lembra da mãe sendo sufocada, da faca no peito do pai, de todas as mortes que provocara, fria, gélida, impassível. Só depois vai até a cidade procurar o padre e um médico para comunicar o fato. Todos se entristecem, quantas perdas naquela pequena família e Ioio muda, como se chocada, só que ela não sentia emoção alguma...ah! se soubessem a verdade...só estava observando um garotinho tenro que sorria para ela como para confortá-la, mais tarde serviria de aperitivo...quem sabe...
Rosa enterrada, Ioio dava conta da propriedade e da lida sozinha, tinha uma energia que ninguém sabia de onde via, parecia um touro. Na madrugada do sétimo dia, conferiu o sabor do garotinho, até que era passável, seus pais iriam sentir sua falta na cama. Esse povo de cidade pequena que dorme tranquilo de porta sem tranca, como foi fácil sufocá-lo e comer uma provinha dele, nem se lembrava como fizera aquilo, mas foi bom. Só não contava com a visão que teve de Rosa sentada à beira de sua cama olhando diretamente para ela, como se flutuando numa nuvem, mas, com os olhos doces fumengando brasa, se assustou deveras, transpirou como uma porca no cio e não conseguiu mais pregar os olhos.
Só que não foram melhores os seus dias, nem noites, principalmente as madrugadas. Onde quer que estivesse sozinha, o fantasma de Rosa aparecia, mudo e assombrando cada momento seu, começou a achar que estava ficando louca, nunca soube como se transformava em chamas, também não tinha noção da fome mórbida que sentia, só desejava que Rosa realmente sumisse de sua vida e levasse a visão do pai perdoando todos os seus pecados junto com ela, estava cansada de tanta vigília, o corpo perecia doendo.
Numa tarde morna de Outubro, fez algo impensável, foi até a paróquia e se confessou, cada mínimo detalhe, para um padre velho e estarrecido que se benzia a cada palavra proferida por ela. A moça estava louca ou o demônio o desafiava, não poderia conceber a existência de um ser assim; Por dentro pedia à Deus que o mantivesse são. Sentiu um cheiro de mato verde e viu Rosa ao seu lado, tremeu, mas, não fez transparecer. Ela pegou sua mão e segredou
- Calma, confira a ela uma penca de rezas como punição, a abençõe e aguarde, que muito breve tudo isso acabará.
Se você já viu uma pessoa beirando a insanidade era eu, Estevão. Pois se não fosse a confissão de Ioio, ninguém saberia destes fatos aterrorizantes, fui tachado de louco, punido pela Igreja por revelar segredos de confessionário, fui parar numa cidade minúscula bem longe dali, onde Deus me permitiu plantar e colher para a subsistência e viver em paz com meus demônios bem guardados na alma.
Só para concluir
Ioio teve um surto em plena praça dois dias depois, gritava que Rosa a deixasse em paz, estremecia, descarnou, virou chamas só que desta vez, só restaram cinzas carregadas pelo vento Sudoeste, nunca tantos moradores elevaram tantas orações à Deus ao mesmo tempo. Um feixe de luz brilhante apareceu e subiu aos céus, mas, que rapidamente desapareceu, talvez Rosa tenha encontrado enfim, o seu verdadeiro caminho de paz.