NÉVOA AO RÉS DO CHÃO - (conto concluído)

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A cabeça de Edith vivia nas nuvens, sua vida fútil era só de festas, drinks coloridos, energéticos para acelerar os momentos, roupas modernas, amores de instante, boca nas bocas e tchau ao fim da balada. Seu cartão de crédito não foi aceito numa dessas noitadas, um amigo pagou e no caminho ligou para o 'paizinho' com seus queixumes irritadiços, a resposta foi seca, fria e formal

- Não gaste mais um centavo, venha direto para casa e desligou.

Edith fez um bico furioso, mas, um pisca alerta se acendeu dentro de sua mente, alguma coisa estava muito errada, apressou o motorista, queria chegar logo em casa.

Quando sua mãe abriu a porta, teve certeza que a coisa era séria, o mordomo não estava no ambiente, a 'Fifi' cachorrinha estava sem sua coleira de brilhantes, reparou também que as olheiras de seu pai estavam fundas, a coisa era tensa e com certeza o assunto era financeiro, pois o advogado e contador da família estavam lá e tomando café, quando o normal seria um whisky cowboy Black bem caro.

Sua mãe nervosa lhe chamou de lado dizendo, vá para o seu quarto, depois conversamos, seca, fria e com o semblante elegante angustiado.

Edith, ficou em seu quarto, enviando mensagens para as amigas, explicando o que estava acontecendo, algumas disseram que devia ser uma crise, mas, uma em especial Caroline, lhe falou de forma direta e reta

- É minha amiga caiu pra ralé, se o seu pai estava no mesmo lugar que o meu, pois são muito amigos, vamos comer batatas cruas, e fazer vestido de cortinas, tal e qual a personagem do filme ‘E o vento levou`, falência certa...

Edith gelou...como iria frequentar as altas rodas, as festas mais badaladas, como iria encarar as suas amigas, seu cabeleireiro amado como pagaria, aff!! tomara fosse mentira...devia ser outra coisa. Resolveu ligar para sua  amiga Milena, mas, qual não foi a sua surpresa, quando ela atendeu com voz meio tremida e disse

- Amiga me proibiram de falar com você, mas, não sei o motivo, me desculpe, ameaçaram cortar minha mesada e eu não vivo sem ela, 'te amo`.

Edith, começou a tremer e sentiu no fundo da alma que a situação era desesperadora, mais ansiosa por conversar com sua mãe estava agora, seu castelo de princesa pelo jeito ruíra.  

Quase duas horas depois, Edith ouvindo um choro quase histérico correu para sala e viu sua mãe descabelada esbofeteando seu pai aos prantos, o rosto dele estava rubro e os olhos secos estavam sem expressão, de repente ele colocou a mão no peito e caiu no piso de tábuas corridas encerado, já sem vida. Sua mãe se jogou sobre ele e gritava por socorro, ela pasma, simplesmente congelou, não havia mais ninguém na casa e ela não teve reação. O motorista correu para dentro da casa, pois tinha escutado os gritos, Edith desmaiou e não viu mais nada.

Edith acordou em sua cama, com a cabeça doendo horrores, sua mãe estava toda de preto ao seu lado, com a expressão mais impassível que já tinha visto, apertando a mão da filha dizendo que precisavam ser muito fortes, só aí, a memória da noite anterior voltou à mente de Edith. Enfim abraçadas caíram num soluçar profundo.

Sua mãe, com uma força que ela não sabia de onde ela tirou lhe disse em tom imperioso.

- Tome um banho, maquie-se sobriamente, mas, com elegância, se vista apropriadamente, depois com calma em casa, explicarei tudo à você, agora vamos render a última homenagem ao seu pai, neste momento não sei se é muito merecida, mas, ainda somos a família Valença de Campos e como tal, temos um papel nesta sociedade que precisamos cumprir, aprume-se, o carro está nos esperando.

A cena fúnebre era esperada, o staff muito bem pago e bem tratado da mansão, Edith e sua mãe, o pároco, o advogado e contador da família, os funcionários do cemitério, mas, apenas a amiga Milena e sua família estavam presentes. Onde estavam os empresários amigos de tantos anos e tantas outras pessoas que borboletavam em volta da família Valença de Campos...ninguém...o quê a falência não faz, mostra às escondidas com a ausência de corpos, a verdadeira cara das sanguessugas, tenebrosa constatação.

Ao final do sepultamento silencioso, despedidas caladas, a família de Milena seguiu com Edith para a mansão, ao que parecia, o mesmo furacão que atingira os Valença de Campos, também varrera a fortuna dos Fraga Régis de Sá, as moças curiosas e as mães altivas e fortes iriam explicar o que tinha acontecido, seria uma conversa longa pelo jeito. Milena parecia conformada, mas, Edith estava puta com o confisco do celular por sua mãe, quando chegassem em casa, faria um escândalo. Milena e Edith eram muito diferentes, uma sensata e calma e outra espevitada e fútil, que era sempre o centro das atenções por onde passava. Milena era por assim dizer, o peso do fiel do bom senso de Edith, que por sua vez era o instante de descontrole de Milena, de uma forma só delas se complementaram.

Resumidamente e de forma esclarecedora as viúvas explicaram o que havia acontecido. Os pais fizeram apostas na Bolsa de Valores, investimentos que alardeavam fabulosos lucros e que deram muito errado.  Numa mesa de pôquer de apostas vultuosas arriscaram o que restava, na tentativa de ganhar parte do prejuízo, eram muito bons jogadores, mas, o Universo estava contra eles, perderam tudo. Tiveram que dispensar a criadagem pagando com jóias e pertences à escolha deles. Os advogados estavam negociando obras de arte, jóias, quadros, roupas de grife foram vendidas em brechós por uma ninharia. Tudo para salvar as custas de vários processos. Restou para a família de Milena ir morar com a avó materna no interior e pouco mais de doze mil dólares. Para a Edith e a mãe, o carro da mãe, vinte mil dólares e uma casinha pequenina no interior do Tocantins, casinha está que pertencia apenas à mãe de Edith, não fazia parte de seu contrato de casamento. Pelo menos não estariam sem um teto. Mas, Tocantins!! Um calor da porra, pensou Edith, será que tinha índios lá? Teria sinal se celular? Internet? Salão de beleza? 

...É a ficha de Edith não caíra ainda, pobre moça...

Milena era muito tranquila, abraçou a mãe e disse que tudo iria se ajustar, deixou claro que ela poderia contar com ela. Já Edith, estava revoltada, pediu à mãe o celular, ela respondeu que tinha sido dado à cozinheira, Edith esbravejou, bateu o pé como uma menininha embora já tivesse vinte anos, fez birra e sua mãe pedindo a ajuda de Milena, pediu que ela pusesse um pouco de juízo e discernimento na amiga. O gênio forte de Edith acabou com a amizade de infância, botou Milena para fora do quarto aos berros, dizendo que ela não podia compreender o que ela estava passando, pois sempre tivera menos dinheiro do que ela, estava cansada de aturar seu jeito doce  e bonzinho, que era bem feito ela estar na merda...aí acabou tudo mesmo. Milena voltou chorando para sala. A mãe de Edith levantou foi ao quarto da filha, deu-lhe uma sonora bofetada e mandou que fizesse suas malas com que sobrou para levar para o Tocantins, partiriam em dois dias, o pai a mimara demais, iria sofrer muito agora, mas, a vida tinha que seguir, afinal os Valença de Campos não se deixariam abater.

Inesperadamente, Olívia a cuidadora de 'Fifi' entrou na sala com uma bandeja com chá de erva cidreira para todas, dizendo, onde a Sra. Valença de Campos for, eu vou, não tenho família mesmo e a senhora sempre foi uma mãe para mim, posso trabalhar para ajudar nas contas, se a senhora não me abandonar, foi abraço para todo lado, um chororô só.

As mães trocaram confidências e num rompante, resolveram ficarem todos juntos no Tocantis, como se unindo forças ficassem mais fortes, partida adiada por mais dois dias, todas providências tomadas e como os 'grandes amigos' desapareceram, foram poucas as despedidas, só Edith é não mudava de humor, fula da vida por ter que ir morar num inferno, mais irritada ainda por ter que conviver bem de perto com sua falsa amiga Milena 'A Perfeitinha'...Arre! Que saco! Já não chegava estar na miséria, ainda teria que aturar aquela 'nova família'...não iria dividir um quarto com Milena de jeito nenhum.

A viagem foi longa e só quem nào aproveitou foi Edith, emburrada, de maus bofes, sendo grosseira com todo mundo. A família de Milena e ela própria tentavam compreender o comportamento dela, pois foram muitos acontecimentos e mudanças drásticas, em muito pouco tempo, mas, a mãe de Edith já estava muito envergonhada com a atitude de Edith, em terra firme, teriam uma conversa muito séria. Para piorar, assim que pusessem os pés no Tocantins, Edith estaria fazendo vinte e um anos e a lembrança da festança combinada para uma boate exclusivérrima cancelada, faria ela surtar.

Quando aos atropelos se liberaram no aeroporto, uma das malas de Edith não estava no avião, era o fim, ela desatou um 'resmunga chora' insuportável, ficou louca pois suas roupas e acessórios preferidos estavam nela, se sentiu nua. Sua mãe muito prática, fez a reclamação, deixou os contatos e partiram para a filial do inferno, como dizia Edith, algumas horas de carro. Muita terra seca pelo caminho, pedras, muitos descampados, já perto da casa das  Valença de Campos, umas árvores em sequência com uma névoa até ao rés do chão, sombrio lugar, mas, inesperadamente mais fresco, muito pouca gente viram no caminho, comércios menos ainda. Milena achou tudo rústico e atraente, já Edith pensou em filmes de bang-bang, além de inferno esta indo morar contra a sua vontade numa roça seca...ninguém merece...foi a frase mais constante em seus pensamentos.

Ao chegarem à frente da casa, uma surpresa, até que era muito jeitosa, com cara aconchegante, simples, mas, espaçosa. Mais um surto de Milena, a casa tinha três quartos, sala, copa e cozinha conjugadas, dois banheiros, varanda e um sótão sobre a sala que funcionaria como mais um quarto. Foi resolvido pelas mães que um quarto seria da mãe de Edith, outro de Milena e Olívia, o terceiro do casal Fraga Régis de Sá e para o mau humor de Edith o sotão, isso para ela era o fim derradeiro, nem sua própria mãe lhe concedeu um quarto, que saudade do 'paizinho'...querem saber...saudade nada, ele era o culpado de tudo que o que estava lhe acontecendo. O resto do povo parecia muito conformado, até sua mãe tão refinada parecia feliz de sandálias hawaianas, Ô gente pobre de espírito. Agora a gota final, era ter que limpar a casa toda enquanto a mãe ia de arro para o mercado comprar mantimentos para dois dias, depois de acomodados iriam juntos para fazer compras maiores, ver o que a cidadezinha tinha para oferecer. 

Edith não iria estragar suas unhas perfeitas fazendo faxina, ah! Mas, não mesmo, os pobres ex-ricos que limpassem tudo, afinal, a casa era das Valença de Campos. Simplesmente, calçou sandálias rasteirinhas e trajanjando um vestidinho branco com um chapéu de aba larga com detalhe florido, saiu para dar uma volta à pé cinicamente dizendo.

- Serviçais até mais tarde, quero meu sótão limpinho rssss...

Os Régis Fraga de Sá e Olivia nem se importaram com as palavras de escárnio de Edith, porque quem muito sobe sem respeito, cai drásticamente e a queda dói muito mais, quando a ficha caísse de verdade não era possível prever a reação dela.  Arregaçaram as mangas e com garra foram limpar tudo, para pelo menos pernoitarem bem, no dia seguinte completariam o serviço. Quem mais adorou a mudança foi 'Fifi', corria para cima e para baixo, entrava e saia da casa, correu até cansar e dormir debaixo de uma cadeira na varanda. Olivia agradecida por ter ganho uma família, estava dando duro e a ajuda de Milena estava sendo preciosa, mesmo sem experiência parecia disposta a recomeçar de cabeça erguida, isso era uma decisão de uma pessoa amadurecida, bem diferente de Edith que era uma pessoa fútil demais, que se achava a dona do mundo. Por consenso ninguém limpou o sótão, só  deixaram lá somente a mala,  dormir em meio às teias de aranha era escolha dela. Milena descobriu que Olivia por falta de dinheiro havia abandonado a faculdade de Enfermagem no segundo ano, coincidentemente o mesmo ano em que ela estava, só que no curso de Biologia, quem sabe não conseguiriam retomar os estudos na mesma Univesidade, estavam se tornando amigas. Os Régis Fraga de Sá estavam empenhados em recomeçar, a fortuna perdida nunca lhes subira a cabeça, por este motivo agarravam esta nova oportunidade de vida de peito aberto. Eram pessoas notáveis.

Até que o trabalho não estava tão duro, tinha muito pó na verdade, mas, a casa embora há muito tempo fechada, estava bem cuidada, tudo estava coberto com lençóis e descartando todos, a limpeza correu bem, deu tempo até de tomar uma ducha no chuveirão do lado de fora e descansar na varanda bebendo uma água fresca de moringa, a geladeira e alguns outros móveis e objetos, só chegariam no dia seguinte, seria uma noite de acampamento. Quando a senhora Valença de Campos chegou, ajudaram a descarregar, arrumar tudo na cozinha e na despensa. As matriarcas resolveram fazer uma janta simples e nutritiva, para que não sobrassee nada que fosse precisar de refrigeração, pois sem geladeira, com o calor daquele lugar, estragaria. Pães quentes na manteiga, legumes e verduras cozidos, arroz branco e bifes e melão de sobremesa. A mãe de Edith, pensou no calor, então, comprou umas garrafas de mate limão, um caixa de isopor bem grande e seis sacos de gelo, pelo menos teriam bebidas geladinhas. Só aí deram por falta de Edith...

INFORMAÇÃO ADICIONAL

As árvores efileiradas cobertas de névoa até ao rés do chão, onde a visão era sombria, mas,  escondiam um segredo, como se fosse um portal, que sugasse as maldades, subdividindo um mesmo ser. Quem nela entrasse não mais saia, explicando melhor, o ser e seus problemas ficavam lá, espiando suas culpas, junto à centenas de outros que lá estavam, seu mesmo corpo com uma nova chance de vida, nada sabia da prisão na névoa, só retornava transformado.


O patriarca dos Régis Fraga de Sá, saiu a procura de Edith, por mais de uma hora rodou pela cidade e de repente a avistou recostada numa árvore, chamou pela m;ça e ela levantando correu para ele e o abraçou, reação inesperada em se tratando de Edith. Mais inusitado ainda, foi Edith começar a falar rápido, demonstrando que teve muito tempo para pensar, pediu imensas desculpas por seu comportamento e atitude, era uma outra Edith. O pai de Milena disse que a filha iria ficar radiante com nova Edith, então, para dar um pouco de alegria ao momento de emoção, falou.

- Vamos arrumar o sótão, eu ajudo você.

Já na névoa...

Edith tentava sair daquela névoa ao rés do chão, esmurrava e ela parecia petrificada, berrava e seus gritos retornavam ecoando alto em seus ouvidos, doendo tanto, que até sangrava. Tentava correr e suas pernas sentiam a pressão dos passos, mas, sem sair do lugar. Pessoas apáticas, feridas, chorosas, raivosas, a empuravam com força, dizendo.

- Limpe o sótão serviçal!
- Patricinha de merda, onde estão suas jóias, seus amigos? 
- Ralé, miserinha, bem feito, vai amargar a eternidade!

Homens imundos, com caras de tarados, tentavam beijá-la à força, não conseguia fugir, chorava e vinham mulheres elegantemente vestidas, com sapatos de salto, caras de loucas e a esbofeteavam várias vezes. Essa rotina seria igual eternamente, suplícios, espiamento de culpas...


Já no novo lar das Valença de Campos, Régis Fraga de Sá e da doce Olivia Monteiro, tudo estava em harmonia, a mala de Edith chegara, os móveis, geladeira, freezer e outros objetos também. Moças matriculadas na Universidade, moravam juntas durante a semana, num apartamento próximo a faculdade e nos finais de semana, voltavam para casa. As matriarcas e o chefe da família Régis Fraga de Sá, montaram um pequeno negócio na cidade, uma representação de comércio conjugada com uma charmosa casa de chá, estavam indo bem, já tinham uma certa idade, uma calmaria estava fasendo muito bem a eles, o resto do patrimônio aplicado com segurança, meninas encaminhadas, é tudo estava em paz.


Já nas árvores enfileiradas com névoa até o rés do chão, Edith amargava suas eternas penas, só para ela o ambiente sombrio e fresco era ardente, como inferno que ela tanto alardeava,,,




 * Imagem - Fonte - Google
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 10/01/2019
Reeditado em 12/01/2019
Código do texto: T6547849
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