NEM DEBAIXO DE ALGUNS PALMOS...


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Conviver com fantasmas, sempre foi natural para mim, adoro uma pinga, uma cerveja, qualquer álcool para preencher o dia, a noite, assim encontrava personagens inusitados, fantasmas dos meus delírios.

Numa festa de amigos,  enchi a cara, bati num grande amigo por tentar tirar mais um copo da minha mão, perdi a noção, arrastei mulher, filha e pai porta afora, joguei todo mundo dentro do carro e arranquei cantando pneus. Dois meses depois, despertei num leito de hospital, todo engessado, sem entender muito bem o que havia acontecido, rapidamente vestimentas brancas e atentas me cercaram, eram médico e enfermeiras, meio enevoado nos pensamentos, lembrei primeiro de minha filhinha de pouco mais de oito meses, perguntei por ela e a resposta me fez desmaiar,. Minha bebê linda, tão risonha, morta, o que teria acontecido? Não me recordava do acidente...

Aos poucos fui tendo uns instantes de memória, lembrei da esposa, do pai, do carro capotando várias vezes e se chocando contra um muro da estrada, aí veio tudo, com uma dor imensurável dentro do peito, eu causei  toda aquela tragédia, por irresponsabilidade, desamor, desrespeito. Gritando sem poder me mexer muito, chamei o médico, que com jeito me contou que só eu havia sobrevivido, porquê eu? Logo eu? Minhas lágrimas pareciam ácido, meus olhos ardiam, o coração batia descompassado, quem sou eu de verdade? Um monstro! Um carrasco? Um nada, sem qualificação ou adjetivo concernente, eu devia ter morrido também, a culpa já me corroía severamente.

Ainda fiquei mais umas semanas no hospital, sem receber uma única visita, nem mesmo os telefonemas que dei, deixando recados tiveram algum retorno, já estava morto para todo mundo, enterrado vivo em vida útil, encerrado dentro de meu esquife de culpa, sem direito a velório, flor, oração ou vela, sumi das memórias e não poderia cobrar ninguém por isso, não havia perdão.

Sem trabalho, sem moradia, fui parar num abrigo, tendo meus fantasmas familiares por noturna companhia, não falavam comigo, só seus crânios com as órbitas vazias se viravam em minha direção, mexendo as cabeças em negativa, me puniam com silêncio e constante presença, óbvio fui definhando, ficando refém dos meus fantasmas calados e de uma culpa que me rasgava por dentro. Acabei dando fim ao resto de mim, de forma rápida, uma facada dentro de um órgão, que um dia dentro de mim, foi chamado de coração, nem coragem para me matar lentamente eu tive, C O V A R D E ...

Sepultamento em cova rasa, para quê mais? o que restava de mim ocupava pouco espaço...mas, nem no meu descanso final, deixei de receber minhas constantes visitas, mesmo sob alguns palmos de terra meus fantasmas me acompanhavam, silentes, críticos e muito presentes...
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 02/11/2018
Reeditado em 02/11/2018
Código do texto: T6492671
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