Joia Centelha  - Pérola


Seja o que for, o estopim dos surtos, a centelha que ativava a transformação, tinha alguma coisa a ver com pérolas..."

Que teria acontecido por lá?

"...não sou ligado em coisas do oculto, mas, as reações amigo do Olavo, eram um mistério para ele, parecia possuído, de um instante para outro alterava seu comportamento ao ver um colar de pérolas. Seu olhar ganhava a ganância e a gargalhada escancarada dos piratas que vemos nos filmes, um total disparate para mim. Conheço Olavo desde criança, uma pessoa muito tranquila. Estivemos separados talvez, uns quatro anos, período em ele se mudou para Minas Gerais.




Olavo por um arroubo de juventude, largou tudo no Rio de Janeiro e por causa de um rabo de saia, se bandeou para as terras das Minas Gerais, aqueles olhos morenos, aquele cabelo solto ao vento, o jeitinho mineiro brejeiro daquela moça, tirou Olavo do prumo. A conheceu num quiosque na praia de Copacabana e foi paixão às duas vistas, os quatro últimos dias de férias da moça foram loucura e prazer, quando ela disse que iria partir ele nem pensou, largou tudo e seguiu apenas seu instinto animal, louco de paixão. O que iria fazer, se conseguiria trabalho, se essa atitude teria consequências, nada disso importava agora, só o sorriso e o clamor do corpo de Heloisa  fazia algum sentido. 

A acolhedora família da moça o recebeu muito bem, entenderam aquela paixão arrebatadora, mas, o pai da moça estava vigiando cada passo dele, os tempos eram mais modernos, mas, sua filha era o bem mais precioso que tinha, não permitiria que nada a magoasse, era pai, então cuidava da sua bezerrinha fogosa.

O rapaz parecia boa gente, resolveu que iria lhe arrumar uma ocupação, antes que lhe viessem netos cedo demais, Heloisa ainda nem completara os estudos, ainda eram jovens demais. Com alguns contatos, lhe arranjou um posto na administração do melhor colégio da cidade, não era um salário maravilhoso, mas, daria para se sustentar e alugar uma casinha digna para morar. No mesmo colégio estudaria à noite, parecia tudo nos conformes, até o convite, meses depois para um baile de debutante para a filha do Prefeito, seu amigo de muito anos. Heloisa queria comparecer ao mesmo, com o conjunto de colar e brincos de pérolas de sua falecida mãe, mas, ele não queria, era um conjunto caro e raro, fazia parte de seu patrimônio para ela, o conjunto não era para ser usado numa simples festa. Heloisa fez pirraça, deixou de falar com ele, passava os dias na companhia do namorado ou sozinha na casa dele, só retornando para dormir em casa, a situação beirava ao insustentável, precisava colocar ordem na casa, criar uma filha sem a orientação da mãe, cuidar das fábricas de tecidos, organizar empregados, era bem difícil, andava cansado, mas, a negativa para o uso das pérolas permanecia, não deixaria joias como aquelas nas mãos inconsequentes de Heloisa.

Olavo era cego para qualquer desvio de personalidade da moça, não enxergava seus defeitos e infantilidade, só sabia que entre quatro paredes, ela era mais do  que ele poderia sonhar. Ser enredado por suas artimanhas foi muito fácil. Ela elaborou um plano para fazer uma entrada triunfal, no baile de sua colega, portando as joias proibidas pelo pai, se herdaria já eram dela, então, com muito ardor, convenceu Olavo a 'emprestá-las' do cofre do pai, só por uma noite. Quando o pai percebesse já estaria com as magníficas pérolas adornando suas orelhas e colo. Mandara fazer um vestido perolado deslumbrante, seria a joia da festa, o centro de todas as atenções, com certeza ofuscaria o brilho pálido daquele bichinho de goiaba, que era a filha do Prefeito. No fundo, Olavo sabia que perderia a confiança do pai dela, mas, o sorriso daquela 'boca louca' fazia com que ele esquecesse o bom senso, que fosse feita a sua fútil vontade.

Enfim chegou o dia do baile, alvoroço nas moçoilas da cidade, nos salões de beleza, era o único assunto do lugar, burburinho em cada fresta das casas.

No horário da festa, muito brilho, vestidos elegantes, os mais joviais esvoaçantes, perfumes brigando no ar, sorrisos fartos, reais, amarelos, políticos e plásticos, nada de anormal num baile do Prefeito. 

Quando Heloisa aparece no salão com as pérolas 'emprestadas'  por Olavo, o pai da moça quase surtou, que a filha fosse inconsequente tudo bem, mas, ladra jamais. De imediato sua mente acusou Olavo, aquele 'borra-botas'  sem eira nem beira com certeza corrompera sua menina. Não faria escândalo, não era o momento e a aniversariante não poderia ser prejudicada, nada expressou, mas, vigiou aquelas pérolas e Olavo, com olhos de ave de rapina. Olavo e Heloisa iam saber em breve, com quantos paus se fazia uma canoa, indesculpável. Além disso as joias eram caríssimas. Deixou o baile terminar e passando por Heloisa e Olavo, pegou os dois pelos braços e praticamente os jogou dentro do carro, foi aí que sentiu uma dor no peito, no colo de Heloisa não estavam mais as pérolas, apenas os brincos estavam no mesmo lugar. 

Tomando de um ódio imensurável, Toledo o pai, agarrou Heloisa pelos cabelos e bateu várias vezes com a cabeça da filha de encontro à lataria do carro, até que ela caísse já se vida. Nesse meio tempo de horror, Olavo sumira da cena, Toledo desarvorado e aos berros de desespero, chorava compulsivamente sobre corpo inerte da filha, nunca mais voltou à razão. As malditas pérolas estavam na bolsinha de Heloisa. 

Olavo peregrinou pelos montes mineiros, pegando qualquer trabalho para sobreviver, sem pouso certo por muito tempo, por anos não conseguia tirar da mente, a visão da cabeça destroçada de sua amada. Um dia mais quatro anos depois, resolveu retomar sua vida no Rio de Janeiro, mas, com dificuldade foi se aprumando e me contou o motivo de sua ida para as Minas Gerais, até que um colar de pérolas em uma vitrine de joalheria, disparou o surto psicótico, fazendo com que ele se atirasse sobre o vidro, esfacelando o rosto por inteiro, no hospital em delírios, só falava nas pérolas, em raros momentos de sanidade, foi me contando sua louca história, parte descobri através de um funcionário do hospital/casa onde vive Toledo, o pai da tal Heloisa, algumas peças supuz e muitas lacunas ficarão vazias...coitado de meu pobre amigo Olavo...está num hospício até hoje...







* este conto é dedicado ao caríssimo Poeta Olavo
 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 12/10/2018
Reeditado em 14/10/2018
Código do texto: T6474584
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.