AFORTUNADO

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“Ser afortunado, o que isso significa para você?
propriedades, dinheiro, joias, serviçais, viagens, iate, avião, helicóptero, carros, relógios, um mar de gente lhe bajulando e realizando todos os seus desejos sem questionar?”



 
Benício era um homem afortunado, nascera num lar de muito amor e muitas dificuldades, mas, os exemplos que recebeu, eram muito mais valiosos do que diamantes e permaneceriam vivos, em outras das suas gerações. Fora educado por avós e pais sem instrução, que com muito sacrifício, fé e perseverança, o matricularam não no melhor colégio da cidade, o diferencial da escola, na verdade eram os professores. Havia tanto amor envolvido no ensinamento e na educação básica, que parecia uma continuação de sua casa. No ensino médio foi a mesma coisa e na sequência, quando foi para um curso profissionalizante aproveitou cada gota de saber que lhe foi entregue, se formou com louvor e logo conseguiu um bom emprego, seguiu prestando concurso e com facilidade galgou um posto no serviço público, como escrevente do cartório da região.

Em três anos já estava com a vida estabilizada, não era uma pessoa de posses, mas, deu um lar melhor para os seus pais, num terreno que poderia alojar mais duas casinhas se fosse preciso. Como havia conhecido uma menina numa cafeteria e do jeito que o namoro se encaminhava, logo o compromisso ficaria sério. Tudo corria a contento, o namoro com Luiza ia a todo vapor, menina alegre, trabalhadeira, com muito custo se tornara gerente da cafeteria e quando o dono se aposentou, fez um acordo comercial com ela e ela arrendou o negócio. Sem família além de um irmão de nome Glauco, que morava em outra cidade, mas, com quem não tinha muito contato, então, a família de Benício se tornou a sua família e tudo no Universo se alinhava para a felicidade.

Com esforço mútuo Benício e Luiza construíram uma bela casinha assobradada no terreno, mobiliaram e começaram os trâmites para o casório, com calma sem afobamento, o dinheiro não nascia em árvores, demoraram pelo mais um três anos, para que pudessem marcar a tão esperada data. Na correria de entregar convites, prova de vestido, terno etc...Luiza não enviou um convite para seu irmão, ele nunca fez contato com ela nos quinze anos que se mudara para a outra cidade, não viu necessidade da presença dele, não nutria nenhum sentimento por ele, era seu irmão por parte de pai apenas e quando seus pais faleceram, ele bem mais velho do que ela, se mudara e não teve mais notícias dele.

Casório acontecido, festinha simples só com amigos e parceiros de trabalho, lua de mel em casa mesmo, tudo muito feliz e harmonioso, foi um encontro de almas, os pais de Benício estavam alegres com a nova 'filha'.

Passaram-se os anos, Benício amealhou através dos contatos no cartório, mais dois terrenos e construiu moradias pequenas, quase um cortiço, mas, bem arrumadinho, quartos com banheiro e minúsculas cozinhas e lavanderia coletiva, a intenção era de alugar apenas para pessoas de família, trabalhadoras e tranquilas, já imaginava um futuro melhor para os filhos que iriam planejar, tudo a seu tempo.

Idos cinco anos de relacionamento, nasce o primeiro filho deles, um menino magrinho, de cenho tão sério , mas, muito saudável, lhe deram o nome de Jaime. A criança foi crescendo na educação dos pais e avós, só se estranhava, que com pais tão alegres e falantes, ele fosse um menino de poucas palavras e sem sorrisos, mas, estudioso e cortês.

Quando Jaime fez quinze anos, ainda filho único, pois a natureza não concedeu a seus pais mais filhos, uma grande mudança se observou no jovem rapaz, vivia pelos cantos rasgando papéis, se trancando no quarto, não parecia se relacionar bem com as moças, as afastava sempre de maneira cruel, isso estava incomodando  muito aos seus pais, que resolveram conversar com ele para saber o que estava acontecendo, decerto havia algum problema, não houve tempo...

Os avós de Jaime já eram falecidos e a casa deles fora alugada para um casal de idosos, calmos e de pouca conversa, exceto o senhor ainda forte, que muitas vezes conversava em sua varanda com Jaime, trocavam bilhetes, os quais Luiza e Benício, nunca tiveram a curiosidade de saber o conteúdo,  até ficavam satisfeitos de que seu calado Jaime conversasse com alguém, já que era tão fechado e sem amigos. Foi talvez, o único erro que cometeram na vida e bastou.

Numa tarde de chuva fria e forte, Jaime não retornara do curso na hora costumeira, tampouco o idoso retornara de seu passeio habitual à banca de jornal na praça, as horas foram passando e ambos não apareciam. Sua esposa estava aflita e os pais de Jaime igualmente, resolveram dar uma busca pela cidade, nos endereços prováveis. Na praça falando com o jornaleiro tiveram a notícia que o idoso não estivera por lá naquele dia e Jaime também não tinha comparecido às aulas, coincidência...será que estariam juntos...um caso nada tinha a ver com o outro...muitas perguntas sem resposta...a preocupação agora já era enorme, foram buscar ajuda na delegacia, descreveram Jaime e o idoso, suas rotinas e ficaram aguardando as buscas em suas próprias casas, pois eles poderiam retornar. 

Lá pelas tantas da madrugada, Luiza já dera um calmante para a idosa e estava abraçada à Benício quase aos prantos de tanta preocupação, não sabia mais o que pensar, imaginou todos os horrores possíveis, já lhe doíam os dedos de tanto rolar o terço, e nada de seu menino voltar e nenhuma notícia do delegado, a aflição era aterradora, Benício estava se fazendo de forte, mas, era nítida sua agonia, estava até pálido.  

Quase amanhecendo, o delegado chega e chamando Benício de lado, lhe sussurra algumas palavras ao pé do ouvido e o tremor nas mãos dele, fez Luiza perceber que algo muito grave tinha acontecido, só não poderia imaginar a terrível realidade que se avizinhou de suas vidas.

O idoso não era ninguém mais do que Glauco, o irmão sumido de Luiza, que depois de muitos crimes por várias cidades, havia  mudado de nome, se casara já mais velho e durante uns poucos anos viveu às custas da esposa, uma solitária ingênua e de algumas posses, mantendo um jeito de bom velhinho num cidade pequena ao Norte daquela. Sondava a irmã que não o reconhecera e estava de olho nos bens que a família fora conquistando com árduo trabalho e diligência. Alugar a casa ao lado dela fora um achado e conhecer o soturno Jaime, foi a cereja do bolo, como foi fácil manipular o rapazinho. Os papéis rasgados eram tarefas que Jaime deveria cumprir para se tornar poderoso, pelo menos era assim que ele engabelara o rapaz. Primeiro ele deveria sacrificar um gato no cemitério e escrever um bilhete sucinto, depois, quebrar um dedo de uma criança sem que fosse visto e escrevesse um bilhete sobre isso, deveria roubar economias de seus pais sem que eles dessem por falta e entregar ao idoso, que supostamente iria devolver para eles e cada tarefa descrita em poucas palavras, as tarefas e bilhetes foram se sucedendo e Jaime estava se sentindo poderoso, gostando desta forma furtiva de viver, pobre rapaz, muito fácil para se manipular. Sodomizá-lo e matá-lo fora uma delícia, contou isso gargalhando, um ser podre de alma.

Quando Glauco confessou tudo isso na delegacia e contou onde estava o corpo do rapaz, Benício não permitiu que Luiza o acompanhasse, mas, por mais que ele implorasse  ela não arredou pé, afinal era seu único e amado filho. 

Ao chegarem ao terreno baldio, distante uns três quilômetros para fora da cidade, a cena grotesca fez Luiza enlouquecer, gritava sem parar, cada vez mais alto até seus olhos sangrarem, quase saltarem das órbitas e ela desfalecer, em minutos pereceu, sem que nada pudessem fazer. Seu menino estava nu, com as partes íntimas destruídas e a boca rasgada de um lado ao outro da face, a pele branca coberta de sangue com formigas já invadindo os despojos, foi demais para Luiza, mas, seu sofrimento terminou ali, Benício foi tomado de um ódio imensurável, foi contido pelos policiais e todo o drama que se seguiu, não cabe nem se descrever, depois de velados e enterrados  os corpos, o afortunado Benício jurara vingança.

Duas semanas depois, pela grade da janela da cela onde Glauco se encontrava fora lançado um bilhete em letras de papel recortadas e coladas, sem remetente, dizia apenas, aproveite o banho de Sol, Glauco não deu importância, amassou o papel pequenino, tomou seu café, se banhou, tomou o banho de Sol no pátio da delegacia sob a vigilância de policiais, até cair estrebuchando no chão, pondo sangue pela boca e pelo nariz gemendo de dor, sangrou até morrer, sem que ninguém o socorresse, o pão crocante feito com vidro moído fez o seu papel e as contas de um delegado e dois guardas, ficaram bem mais gordas naquele dia.

Um Benício calado, mas, com uma jovialidade mórbida  no olhar, cuidou da idosa até seu passamento. Nunca mais se casou, mas, sua alegria fora sonhar todos os dias, com a sua doce Luiza, cantando feliz pela casa, até o seu último estertor.


 
 



 
*Imagem - fonte  - Google
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 19/09/2018
Código do texto: T6453675
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