Incognoscível
No Tribunal: "Se você não contar, nada pagaremos; mas se quiser contar, colaborar com a Justiça, pagaremos com sem contos". Manteve-se em silêncio. Talvez até soubesse do caso, mas a boca sopra somente o que o sistema nervoso manda. Ou o que o Advogado instrui, claro. O terror começa pela omissão.
Dizem que quem não ouve cuidado, ouve coitado. Saiu pendurado em cima de uma bengala, mas ainda estava bem coordenado de movimentos e bastante lúcido de pensamentos e ideias.
Pelos lados do Cristo Redentor: Quem passa os dias afugentando pássaros no milharal, empinando pipa, carpindo feijão, traficando coca, atento aos tiroteios na linha vermelha, montando esquemas para roubar a merenda das criancinhas carentes dos subúrbios, fumando um baseado, mirando a Baia de Guanabara; e à noite, conta estrelas para alimentar a humanidade, não tem tempo para ser sábio, lavar os pés dos discípulos e muito menos, sobra tempo para fazer milagres.
Está mais para espantalho feito de gesso pintado de branco, que Cristo Redentor ensaísta das boas novas! Paz e amor? É pura subjetividade e cada um ama e pacifica ao seu modo. Pacificar e amar não são liturgias ecumênicas e universais.
Até o primeiro segundo de 2018 muitos cães cairão da mudança. Previsão metereológica nada favorável para os vira-latas. Ih, não disse: daqui vejo que mais um já tombou...; e mais um; e mais um...
Descrevendo a cena. No outro morro:
Cognoscível: é na favela, área transbordada de condomínios de altos prédios, finamente acabados, frente para estreitos corredores atapetados por bitucas de cigarro, servindo de pequenos becos para ratos, baratas, gatos, cães e obviamente gente, que a realização, a conquista e a poesia nascem, ou.... morrem!
Estampido: 5h da manhã. Um facho de luz escapa pela greta sótão de um dos biombos. Passos apressados no beco G5. Escuridão total. Um estampido e um grito: "A corda satanás".
No lado oposto, no prédio "Deus é fiel" uma pequena igreja. Alguém acode-se para saber o se passa. Silêncio quase absoluto, se não fosse um rato farejando os restos mortais da ceia de natal. Uma mordida no pé do sujeito que atrapalhou sua festa e lépido feito coelho, enveredou no primeiro túnel. Um ai abafado com a mão boca.
Um mê após: Certo alvoroço. Urubus, corvos e ratos rondam os telhados do beco G5. Polícia técnica aposta. Casa arrombada. Mau cheiro nauseante. No pequeno espaço que servia de latrina, um gancho pendido no teto. Dele, amarrado pelo pescoço, descia um esqueleto ósseo. Uma arcada dentária falha e arreganhada cumprimentou os peritos. Espanto. Inciante na profissão, Epaminondas corre em disparada. Haja estômago e narinas.
Pedaço de osso que tomba. Impossível saber de quem era. Abaixo, no chão, uma capa de pele recobre pedaços de carcaça. Pegaram-na. Fizeram uma maçaroca, enrolando-a com jornal. Levaram também a corda. Trabalho laboratorial intenso.
Conclusão: Diante da incognoscibilidade, sempre fica algo sem saber. Impossível colaborar com a Justiça. Se os olhos são falhos, pior a mente de um Cristo que tudo vê e nada sabe. Talvez seja por isso que o cristianismo de gesso e o terror mandam e desmandam no mundo. Aqui, só dá eu e o PCC; e estaremos juntos e misturados em 2018. Formamos uma salada mista do silêncio e omissão.