GALOPES DORIDOS - PARTE III e final

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Segue o relato...

'...cova descoberta, cascos e sangue, sumiu meu coração...'


'Abigail fora pegar alguns ovos, pois por recomendação médica, eu tomava gemada todos os dias. Acordei, com certo esforço me transferi para a cadeira de rodas, mas, já me adaptara bem. Dentro de casa não precisava mais de muita ajuda. Tomei banho, me troquei e nada de Abigail aparecer, liguei para James, que se dividia entre as duas propriedades, mas, morávamos no casarão de meus pais. James disse que ela devia ter se entretido com alguma coisa, logo apareceria, mas, minha amada Abigail nunca mais voltara, minha prostração era tamanha, que minhas pernas não responderam mais à fisioterapia, polícia ineficaz, nenhuma pista, a saudade doída me consumia, emagreci horrores.

Alguns dias depois pedi a James, que me deixasse sob a sombra de uma amendoeira próxima uns trinta metros dos fundos do casarão. Ele me atendeu e ainda deixou sobre uma cadeira, uma jarra de água com gelo, aromatizada com lima da pérsia e limão, entregou também uma bengala, para que eu pudesse espantar algum inseto, muito carinhoso meu marido de olhos negros e frios, que andava tão cansado que esquecia de me beijar, eu sempre tinha que lembrá-lo, mesmo quando ficava fora por dias, sempre adiando a compra de coisas importantes para a propriedade, dizia que estava resolvendo. Que saudade de Abigail, seus vestidos lilases, colo e doçura!

O livro que escolhi, caiu no chão e tentei pegar sem sucesso, um rapaz que estava consertando uma cerca próxima, vendo a situação, correu para me auxiliar. Apoiando fortemente a bengala na terra, ouvi um barulho metálico, pedi que ele arrumasse uma pá e verificasse o que era, o que achamos me levou de novo para o hospital, nem sei por quantos dias apaguei. Creio que meus olhos se recusavam a abrir, a visão do vestido lilás junto com parte do corpo de Abigail escavado da terra, como uma descoberta arqueológica, me nocauteou, quem fizera aquilo com ela? Tão meiga e carinhosa, há tantos e tantos anos em minha família, eu não reagia me sentia ôca. Pedi a James que não medisse esforços, para descobrir quem fizera aquilo com ela. James apenas disse, que ela já estava velha, sem parentes, não teria tempo para tomar tantas providências, iria encomendar um enterro decente, uma oração do padre e a vida seguiria. Nunca vi tanta frieza, não o reconheci. Sombrio batendo os cascos furiosamente, me irritava e assustava, desde o tombo, não queria sua aproximação. Ele criara um hábito que me irritava e assustava, todas as madrugadas batia seus cascos junto à janela de meu quarto. Tantas vezes pedi a James que o prendesse à noite, mas, ele diz que Sombrio é sinônimo de liberdade, não irá travar seus passos. Acho essa respsta tão irracional, se levando em consideração, que o meu incomodo   não tinha prioridade sobre o animal, cada dia mais desconhecia a pessoa com quem me casei.

No dia seguinte ao enterro de Abigail, já tinha uma moça cuidando de mim, James estava cada vez mais afastado. Tive vontade de ouvir um novo clássico de jazz, achei num catálogo dentro de uma revista e quando fui efetuar a compra, meus cartões não passaram, liguei para o banco e o gerente me informou que eles haviam sido cancelados por meu marido, talvez por não ter saldo nas contas para suprir algum pagamento, isso foi logo após o acidente. Porque James teria feito isso? E como meu dinheiro sumira? No dia seguinte a casa ficou sem telefone, estava imobilizada, sem amor, sem amigos e ilhada. Nas madrugadas, ouvia o bater furioso do cascos de Sombrio, como que aplaudindo minhas comiserações. Me sentia muito nervosa, mas, não senil,. Mandei um rapaz à cidade com ordens expressas que trouxesse meu advogado e o tabelião em segredo absoluto, o que ele fez prontamente, soube que o testamento de meus pais me deixavam o casarão e cem metros quadrados  do terreno, na minha falta a herança passaria para minha prima Regya e na falta das duas, tudo seria revertido para a caridade e ninguém poderia mudar estes termos. Pedi aos dois, que na minha falta não cansassem de procurar por ela, erámos muito unidas quando pequenas.

James desapareceu, descobri que era um aproveitador e quase dilapidara todo meu patrimônio, a casa dele estava vazia, assumi o controle de minha vida, nem mesmo dei parte, mas, sabia que ele estava por perto, porque ouvia os cascos de Sombrio nas madrugadas......... até o dia em que mandei calar definitivamente,  o som daqueles cascos.

Vendi todo o restante da propriedade, fiquei com o que me cabia por herança, com dinheiro bem aplicado, sobreviveria até meu último dia, com certo conforto, mantenho um casal para os cuidados da casa e também de mim, são boa gente, como meus amados Estevão e Abigail.'




Não haviam outras páginas, nem encontrei mais diários. Soube que minha querida prima Tessa, morreu esquálida e louca, murmurava o tempo todo, falava de sangue, sombras  e cascos, só depois de ler o diário, pude entender o que ela passara, pobre amiga...




 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 28/11/2017
Reeditado em 29/11/2017
Código do texto: T6184149
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