O ENCANTADOR DE VÍBORAS & A NEGRA LUVA (miniconto)
'...espetáculo singular, aqueles corpos lânguidos, envolvidos em forte perfume, estupidamente doce, destilando seu veneno serpenteando pelas escuras vielas, entre bêbados, ladrões e toda a escória de vidas marginais , até a chegada de Heron...'
Heron, um procheneta bem vestido, com aroma de fina colônia, calçados caros que não combinavam em absoluto, com aquele sórdido ambiente. Suas feições duras eram um tanto acavaladas, o bigode bem cuidado lhe dava um ar de respeito, sua estatura embora mediana aliada ao tom imperioso de sua voz, lhe conferia um certo poder sobre aquelas criaturas da noite sem lei.
As serpentes noturnas, rastejam à caça de suas presas, sem muito cuidado, lançam seus botes agressivos espantando os notívagos clientes, coisa que descapitalisa Heron, afasta a freguesia e ele não fica nada satisfeito. Levando seus passos até uma das víboras, sacando de um dos bolsos uma negra luva, dá-lhe um bofetão com tanta violência que a faz perder um dos dentes, deixando um rastro fino de sangue escorrendo pelo canto da boca. Ela se encolhe junto ao poste, onde estava encostada quando ele a abordou, não era a primeira vez que isso acontecia, muitas marcas ela já tinha pelo corpo, memórias da carne vendida todas madrugadas, parcos vintéis lhe sobravam, pois Heron ficava com a maior parte do que ela e outras serpentes maquiadas, apuravam com seu trabalho pelas vielas. Heron, calmamente retira a luva negra, limpa com um lenço e a guarda no covil de seu traje.
Parte ao encontro de outras sibilantes figuras e com três comandos segredados a uma certa distância, para não se contaminar com o forte, doce e barato perfume. Em segundos, lânguidos corpos suavizam seus botes, como se cordeirinhos fossem. Heron se anima com a visão de mais grana entrando. A esbofeteada, estava com o rosto imprestável para o serviço, sem o dente então, estava lhe causando asco, faz-lhe um sinal para que ela o seguisse, ao que ela prontamente atendeu. Num beco escuro Heron tira do cós da calça em suas costas, um punhal e enterrando fundo no peito da moça, se afasta sem ouvir o último silvo de sua boca.
Quando Heron, retorna ao centro nervoso de sua espúria operação, as víboras estão a postos, agradando aos clientes com seus serpenteados corpos, mas, sem desgrudar os olhos da figura sinistra de seu gigolô, pois já haviam dado por falta da esbofeteada, elas não comentavam entre si, mas, tinham certeza do destino dela. Como um encantador de serpentes, o caminhar de Heron era seguido por vários pares de olhos baços, vagando lânguidos nos segredos escuros das vielas.
E numa poça enorme de sangue, um perfume forte e doce se esvaia pelo ar...