Assim falou Zaratrusta
Basta descrever a realidade que tudo se transforma em conto, em relatos ficcionais jamais vistos; porque em verdade vos digo, querê-las por prazer e gozo espontaneamente, é escárnio batendo os dentes contra os sonhos, é morte precoce das ilusões.
Como o mar de boca arreganhada e rangendo os dentes em formato de aguilhões mordiscadores de ratos, jiboias, baratas; aliciadores de peixes ariscos, que arrastam cães sem pais, arranham pétalas, que metem a língua em entranhas putrefadas, que estupram ânus com as bordas bem ou mal escovadas, que degustam pênis rosinhas ou carcomido pela sífiles, que salivam animais em carne crua e aboiam gente, o mundo é um lugar estranho, ridículo, transviado, livre de responsabilidades e compromissos, com leis ferozes e por ser isento de deveres, perigoso para se viver. Não exatamente porque os parasitas pensantes que o habita, são maus, ruins em essência; mas devido a correria e busca incessante pelo nada; pela quietude de consciências corruptíveis; pelo excesso de saber e nada de praticar, pelas riquezas desproporcionadas; pelo sexo deliberado que aumenta em escala progressiva a matilha de cães sem donos; pela religião que prega um deus, o qual Deus desconhece e bondade sem tamanho, não fazem nada para amansá-lo, pacificá-lo, melhorá-lo, mitigá-lo, combatê-lo com propriedades lenitivas.
"Libertem-se,Libertem-se, Espíritos Incautos! / Libertem-se dos elos das correntes que vós próprios forjaram!" - Yume Zaratrusta
Navegando mares calmos, a pseudo Arca de Noé chegará mansa, silenciosa, cálida, enganosa, prestimosa. Pregando a paz e o amor. Pelas palavras dos escribas que giram os comandos do manche, todos se salvarão. Tudo propositado, nada em vão. "A vida é apenas o emissário para a passagem para o além, portanto, siga-nos os bons e os maus, venha pelo bem ou pelo mal; em nome do que crês, a ressurreição".
Porém, enquanto apenas as tormentas, atormentam os desafiantes de mares revoltosos e nada acontece no reino animal, os burros continuam afogando-se em mar de lama, famílias chafurdando na hipocrisia, a carga tributária que se paga para respirar atingindo as nuvens e o ouro puro sendo levado, não mais pelos portugueses, mas pelas correntezas da acomodação e zonas de conforto. Portanto, parecido com o fim do Ateneu, de Raul Pompeia, o mundo é uma bomba relógio com um emaranhado de pequenos focos de incêndio saídos dos muitos barris de pólvora, prestes à passeata final.
Sigam o préstito! Porque o dia do juízo final não está muito distante da esquina mais próxima de vossas mansões e fará brilhar e urrar no breu da noite, o executivo, o poeta, o gringo, o sábio, o estúpido, a besta, o escritor, o milionário, o mendigo, a bituca de cigarro, o cão e o gato, o corrupto, o honesto, o ladrão, a prostituta, a mãe zelosa e quem estiver dentro dela; o recém-nascido que veio ao mundo no momento errado; o político que tudo, ou nada sabe; o inocente vagalume que tentava iluminar as trevas!
"Quantos homens sabem observar? E entre os poucos que o sabem – quantos observam a si próprios? Cada um é para si próprio o mais distante..." - Zaratustra - pág. 190
Alertando os seus, assim falou Zaratrusta, Profeta e núncio do fim de tempos fúnebres!
Sobre Zaratrusta: Em sua época, foi mendigo, andarilho, irresponsável com pedigree de vacante, cínico com passaporte de intelectual que se encontrou, quando não, caminhava dentro de sua essência... e adeus hipocrisia, religião, materialismo, futebol, melindres, carnaval, drogas, álcool etílico, taças de vinho, papo furado em botecos, praia, netos, animais domésticos, montanhas, arrebol, política, trabalho, vaidade, beijo insípido, catecismo, alter ego, adultério, viagens, sexo obrigatório e mecânico, filhos bastardos, medicamentos tarja preta, esquizofrenia, silhueta, filhos oficializados, depressão, aposentadoria, terapia, solidão... Chega: carregando o peso de tantos adjetivos em sua intrepidez reacionária, morreu antes do tempo para os hedonismos dos normais!