PEDAÇOS DE MIM
A estrada florida precisava de reformas, então, o Prefeito pediu orçamentos, licitações, autorizações, todos os trâmites necessários para a execução da obra. Um impasse ocorreu, quando um braço com uma tatuagem de carta de espadas, com o nome Nicolas grafado sobre o fundo branco foi encontrado. Pararam a reforma naquele ponto, para escavar um pouco mais, para ver se encontravam o restante do corpo, uma hora depois um pé foi encontrado com a mesma característica e tatuagem, a coisa estava ficando estranha, nenhum relato policial sobre um desaparecido com esse nome, exame de DNA pra comparar com o quê?
Definitivamente interromperam a reforma e a estrada' mais parecia um sítio arqueológico, tão revolvida que estava. Foram sendo encontrados partes do corpo masculino, tatuadas com a carta de espadas nominadas Nicolas, alguén fatiara em pequenas partes aquela pessoa, ódio, trauma, surto, paixão? O que teria motivado tamanha fúria e trabalho, pois dera trabalho espalhar as partes, pelas margens daquela estrada, um mórbido e macabro mistério, até o momento.
Dois dias de trabalho intenso e nada de encontrarem a cabeça do corpo, não havia roupas, sapatos ou quaisquer documentos, tudo era uma enorme porta fechada, num beco silente e sem saída. No quarto dia de buscas, enfim, encontraram a cabeça, estranhamente ainda não estava totalmente decomposta, era um homem de uns quarenta e poucos anos, loiro começando a ficar calvo, olhos de mel escuro esverdeado, com traços mistos, talvez, algum afrodescendente na genética familiar, pelos traços do nariz e dos lábios excepcionalmente carnudos. Pelas partes recolhidas, sabia-se ter pelo menos um metro noventa de altura e uns cento e dois quilos de peso de muitos músculos, não fora fácil derrubar um homem desse porte e o mistério, persistia.
Durante um mês, reviraram a estrada e nada que desse uma pequena luz ou nova informação, sobre esse esquartejamento ou ainda, algo sobre o nome Nicolas ou outro caso em que cartas de espadas tatuadas, em todas as partes de um corpo, tivessem aparecido, começaram na estrada e depois desse tempo todo, não se havia chegado a lugar nenhum.
Só fiquei ali observando, ora sentado sobre uma pedra, ora circulando entre os peritos, vendo meus pedaços partidos tatuados sendo encontrados, com suas máscaras de espadas, sem sentir coisa alguma, frio da cabeça aos pés, não vendo nenhum sentido naquele furdúncio todo. Como eles iriam descobrir que meu amado filho, por pura ganância, roubara todos os nossos bens, me dopara, tatuara meu corpo e o esquartejara, distribuindo as partes e pedaços de mim, por três madrugadas seguidas.
Praticante de lutas e tatuador como eu, Nicolas, era um touro de forte e muito competente no ofício escolhido, se tatuara até não mais poder ser reconhecido, eramos só nós dois, quem sentiria falta, tão rapidamente? Fugira para o Paraguai e de lá pra outro país, estava vivendo sem remorso ao que parecia. E eu ali, tendo todo tempo do mundo, me distraindo, vendo serem analisadas e periciadas pra nada, as muitas pequenas partes, tatuadas de mim.
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2016.
A estrada florida precisava de reformas, então, o Prefeito pediu orçamentos, licitações, autorizações, todos os trâmites necessários para a execução da obra. Um impasse ocorreu, quando um braço com uma tatuagem de carta de espadas, com o nome Nicolas grafado sobre o fundo branco foi encontrado. Pararam a reforma naquele ponto, para escavar um pouco mais, para ver se encontravam o restante do corpo, uma hora depois um pé foi encontrado com a mesma característica e tatuagem, a coisa estava ficando estranha, nenhum relato policial sobre um desaparecido com esse nome, exame de DNA pra comparar com o quê?
Definitivamente interromperam a reforma e a estrada' mais parecia um sítio arqueológico, tão revolvida que estava. Foram sendo encontrados partes do corpo masculino, tatuadas com a carta de espadas nominadas Nicolas, alguén fatiara em pequenas partes aquela pessoa, ódio, trauma, surto, paixão? O que teria motivado tamanha fúria e trabalho, pois dera trabalho espalhar as partes, pelas margens daquela estrada, um mórbido e macabro mistério, até o momento.
Dois dias de trabalho intenso e nada de encontrarem a cabeça do corpo, não havia roupas, sapatos ou quaisquer documentos, tudo era uma enorme porta fechada, num beco silente e sem saída. No quarto dia de buscas, enfim, encontraram a cabeça, estranhamente ainda não estava totalmente decomposta, era um homem de uns quarenta e poucos anos, loiro começando a ficar calvo, olhos de mel escuro esverdeado, com traços mistos, talvez, algum afrodescendente na genética familiar, pelos traços do nariz e dos lábios excepcionalmente carnudos. Pelas partes recolhidas, sabia-se ter pelo menos um metro noventa de altura e uns cento e dois quilos de peso de muitos músculos, não fora fácil derrubar um homem desse porte e o mistério, persistia.
Durante um mês, reviraram a estrada e nada que desse uma pequena luz ou nova informação, sobre esse esquartejamento ou ainda, algo sobre o nome Nicolas ou outro caso em que cartas de espadas tatuadas, em todas as partes de um corpo, tivessem aparecido, começaram na estrada e depois desse tempo todo, não se havia chegado a lugar nenhum.
Só fiquei ali observando, ora sentado sobre uma pedra, ora circulando entre os peritos, vendo meus pedaços partidos tatuados sendo encontrados, com suas máscaras de espadas, sem sentir coisa alguma, frio da cabeça aos pés, não vendo nenhum sentido naquele furdúncio todo. Como eles iriam descobrir que meu amado filho, por pura ganância, roubara todos os nossos bens, me dopara, tatuara meu corpo e o esquartejara, distribuindo as partes e pedaços de mim, por três madrugadas seguidas.
Praticante de lutas e tatuador como eu, Nicolas, era um touro de forte e muito competente no ofício escolhido, se tatuara até não mais poder ser reconhecido, eramos só nós dois, quem sentiria falta, tão rapidamente? Fugira para o Paraguai e de lá pra outro país, estava vivendo sem remorso ao que parecia. E eu ali, tendo todo tempo do mundo, me distraindo, vendo serem analisadas e periciadas pra nada, as muitas pequenas partes, tatuadas de mim.
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2016.