Esquizofrenia Parte VIII
Capítulo VIII
Não é um maldito filme de cowboy. O deserto se abre diante da dimensão do sozinho. Vagando pelos vales secos e comendo poeira. Poderia matar por uma necessidade simples. Andando cabisbaixo. Observo um carro de policial metido a xerife. Automóvel e vestimenta de cor marrom. O sujeito contempla a paisagem do alto do morro. Sai dirigindo com a sirene piscando, apesar de estar silenciosa. Ocupo o lugar do policial, forrando um pano para poder acomodar o corpo cansado. A vista é interessante. A viatura retorna e o sujeito sai do carro com olhos arrogantes embaixo dos óculos escuros.
— O que faz aqui?
— Boa noite senhor. Apenas procurando um local para descansar um pouco.
— Onde conseguiu a jaqueta?
— Comprei de um cara em Seatle por 15 pratas.
O policial tira o cigarro da boca e o estende ao desconhecido, que aceita a oferta e dá uma tragada no toco de fumo. O cão do oficial aparece e se debruça sobre as pernas do sujeito, lambendo os dedos da sua mão.
— Está frio, não acha?
— Sim senhor.
— Quer uma carona?
Antes que o policial pudesse pegar o cigarro novamente, no gesto de devolução da brasa, o sujeito sacara uma lâmina e degolara ali mesmo a autoridade local, fazendo com que o sangue jorrasse na face do cão, que manteve-se impassivo. Mais um afago no cachorro e a lâmina atravessou o crânio do animal, com o som de ossos partindo com a pressão do golpe. Tudo não passou de um sonho. Jamais teria feito algo assim. No máximo colocaria o cu entre as pernas e ficaria pianinho diante da autoridade. Mas coincidentemente, semanas depois apareceria a reportagem sobre um policial encontrado morto, degolado, junto com seu cachorro, no deserto. Esse mundo é mesmo muito louco. Nada que uma boa noite de sono não faça relaxar. Mas como dormir com esses pensamentos de morte. Todo mundo se fode no final. Não adianta rezar ou deixar de fazer. Todos vão pra vala. Abro a porta da sala e me deparo com uma pessoa estranha, passando a mão no meu gato.
— Que porra é você?
Estão ainda servindo cerveja com gosto de mijo. As horas passam e o relógio continua o mesmo. As vacas trafegam pela rodovia aguardando o atropelamento, para que possam fugir do pasto. O mendigo se importa com as notícias diárias do jornal de grande circulação e limpa bem o rabo com as páginas de capa. É cada merda que se lê hoje em dia. Dizem que basta ter fé. Mas na espera de um transplante, só se acredita na espera. Cheiro de pneu tostando no asfalto e aquele corpo que foi arremessado para fora do veículo. Estão lendo Paulo Coelho como se fosse Shakespeare. Bebendo até cair, eis a medida de todas as coisas. Só o meu cachorro me entende, me encarando com aqueles olhos de piedade e depois lambendo o próprio pau, fazendo pouco caso de mim. Os copos empilhados na pia e um deles trincado e aquele gosto de vidro com sangue no último gole. Estamos em coma no dia em que nascemos, sobrevivendo aos traumas e esperando a morte chegar. Poucos tem a dignidade de se desligar dos aparelhos. Se pudesse vomitar ficaria melhor. Enjoado de tudo. Espancando um muro de chapisco, fazendo salpicar o sangue pelo quintal cinza. O próximo gatilho será acionado pela terceira linha do segundo parágrafo da primeira parte do segundo livro de Tolstói. Refletindo a tanto tempo que não sabe mais onde começa o espelho e onde termina ele.
O grande problema da humanidade é que todos parecem querer a mesma coisa, ou seja, enriquecer. A nobreza é esse estado de sentir-se muito capaz e isso provoca o medo diante da impotência. E são tantas. Desde não conseguir interromper a morte, até fazer o pau subir na hora certa. Nos vendemos por qualquer trocado e chamamos as que vendem o sexo de putas, quando nós somos os mais putos que poderiam existir. Quer maior putaria do que ter o rabo esfolado todos os dias e vender o cu por um salário mínimo? As coisas são mesmo uma grande sacanagem. Rachada a calçada, como o copo e a risada, demonstrando na fresta o vazio da fissura. Comendo resto desse buffet barato, disputado com ratos de grande dignidade. Se eu fosse... estaria sempre no seria. Calos surgem no meu cerebelo e me fazem trocar as pernas e cair na vala do mundo. Nadando no esgoto e tomando alguns goles dessa merda. Verdadeiro profissional das águas, dando poderosas braçadas e fazendo pedaços de bosta serem arremessados a grandes distâncias. Uma nuvem anuncia que a chuva virá em breve, aumentando consequentemente o volume dessa descarga. Aquela boia não passa de um cadáver canino, já varejado de varejeiras. Reparando que um andarilho escarra sangue, depois de pigarrear às margens do córrego. Me abrigo nas trevas porque é a única verdade, já que as luzes são tão artificiais. Dança conforme a música e logo estará enganando com uns passos.
— Duas doses de tequila para viagem. Embrulha em saco de fast food e enfia no meu rabo para garantir que não irei perdê-las.
O ser humano não tem bagageiro. Mas pode acoplar alguma mochila, já que aquilo que entra uma hora vai ter que sair. Um passo, dois passos. Passo a passo rumo ao desconhecido. O dedo preso na gaveta da cômoda faz morder a língua em seguida.
— Filho da puta de caralho dos diabos!!!!!!! — Não tem como não xingar numa hora dessas.