Kurenai no Maboroshi (Ilusão Carmim)
Não bastasse a falta de eletricidade por causa do atraso em
pagar a conta, o apartamento ficava em uma parte escondida do
prédio, não lhe permitindo acesso a luz solar. Nesta penumbra
vive Jonas Maldique, um escritor fracassado em luta pelo
reconhecimento de sua obra.
Já não recebe a semanas e tudo que faz agora é dormir por
todo o dia embriagado em sua depressão. A dois dias tudo que
estava em sua pequena geladeira de solteiro se estragou,
apenas contribuindo para seu enfraquecimento moral e físico.
Mal podia pensar, tamanho era o cansaço.
O prédio onde habita é muito peculiar. Alto, muito alto,
com muitos minúsculos apartamentos por andar. O andar em que
morava era um dos mais altos, décimo quinto, havendo apenas
mais dois acima deste. Nessa altura o barulho da rua era
praticamente nulo. E analisando melhor, o prédio inteiro era
um completo silêncio, como o interior de uma tumba. Não
haviam vizinhos barulhentos assistindo a televisão; não
haviam passos indo e vindo no andar superior; nem crianças
brincando no corredor. Pobres das crianças que fossem
obrigadas a morar aqui. Aliás, pobres são todos os que devem
morar aqui, pois não imagino descrição melhor para os
habitantes deste horrível prédio. E pobre é Jonas Maldique,
que nestes minutos passados estava pensando porque será que
este prédio, com tantos apartamentos, e possivelmente tantas
pessoas, era tão silêncioso. Nunca ele havia escutado um
barulho que fosse. Talvez todos ali estivessem como ele,
eternamente dormentes. Não lhe surpreenderia isso. Não lhe
surpreenderia que todos ali estivessem apenas esperando pela
morte. Que ninguém sairia mais daquele prédio se não fosse
dentro de um saco plástico. E que provavelmente ele seria
mais um dentre todos esses.
Seus pensamentos mórbidos foram interrompidos abruptamente
quando algo lhe acertou a testa fazendo-o piscar algumas
vezes instintivamente e o libertanto do transe hipnótico em
que ele mesmo se colocara. Estranhou primeiramente que mesmo
estando a tantos dias deitado naquela cama, olhando aquele
teto não havia percebido aquilo. Uma goteira? Bem em cima de
minha cama? Isso não parece certo. O que é isto? Ainda
aturdido por seus pensamentos e por sua fraqueza demorou a
perceber a aparente macha negra sobre si. Uma mancha que se
estendia por quase um metro de comprimento e meio de largura.
E uma minúscula fração daquela mancha havia caído sobre ele
em forma de gota. Uma pesada gota que o despertou de seus
sonhos. Não. Isto não é uma goteira comum. Será vazamento de
esgoto? Sem nenhuma dúvida pode se sentir um cheiro. A gota,
assim que se rompeu, exalou o seu mal cheiro, mas este não
parece ser o fedor seco e abafado de esgoto.
Será mesmo?! Algo tão insólito quanto isto pode estar
acontecendo? Com ninguém mais que este coitado que já agoniza
seus últimos e tão próximos momentos finais?
Jonas teve força suficiente para arregalar os olhos, como
que para ver melhor, como que para demonstrar sua surpresa
para as paredes da casa. Quando uma segunda gota começa a
se formar, e logo estando pesada o suficiente se desprende
da mancha levando um pouco de sua essência, e Jonas grita.
Grita grave e demoradamente, até as horas passarem e a gota
lhe acertar. Ainda com os olhos (agora) fechados; é sangue,
sussurra. Quem não perceberia este cheiro. E quando
corajosamente abre os olhos, percebe que estranhamente a
mancha antes negra agora assume um tom escuro de vermelho.
Ele tenta se levantar antes da terceira gota se formar mas
não consegue. E não entende porque, seu corpo parece de
chumbo, um peso incrível pousa em seus braços e pernas. Falha
até mesmo em se arrastar. Grandissíssimo é o esforço que ele
faz para virar a cabeça, mas nem isso ele consegue. Devia ter
tentado sair antes, desperdiçou suas forças em um grito
inútil, e agora está fadado a tortura.
Quanto tempo já se passou? Um dia, uma semana, semanas? Não
se sabe. A escuridão do quarto/branheiro é eterna. Dias
passam sem serem percebidos. Quanto tempo ficarei aqui?,
pergunta. Já se passaram quantos anos?
Seu corpo magro e desnutrido afunda na cama; seu rosto
cansado e sua camisa respingados de sangue; seu colchão
encharcado de flúidos; e o fedor que prevalece no ar, sendo
respirado eternamente. Eternamente. Eternamente...