Esquizofrenia Parte III
Capítulo III
Na casa desarrumada, teias de aranha se multiplicam, disputando espaço com o mofo que se acumula pelas paredes. O cachorro entra mas a casa já possui aquele aroma de pelo sujo. Um amontoado de peças espalhadas em cima dos móveis. A árvore em frente resiste, soberana e a criança espirra, abraçada com seus ursos de pelúcia brancos de poeira. O terreno baldio abriga um grupo que só quer fumar a sua maconha em paz. A polícia invade e do outro quarteirão é possível ouvir os gritos. Os pais são chamados para assistirem a surra que os filhos maconheiros levam. Uma chuva cai mansa, ensopando a laje e fazendo as goteiras pingarem em diversos cômodos. Incômodo pingar sobre vasilha. No forro é possível ouvir o ruído dos ratos que correm de um lado para o outro. Quando dorme sonha-se com roedores e fica imaginando quando um folho da puta desses vai cair sobre as nossas cabeças. A ratoeira pegou um. Entra pela porta do sótão e jogo de cima da laja o rato morto, que vai cair em um terreno baldio do outro lado da avenida. O cachorro vira-lata matou outro roedor e deixou o corpo ali, como prova do seu ato heroico.
De noite, a senhora Filomena, desfila pela casa apenas de calcinha. Fodam-se as visitas. Quem dorme na casa é alertado dos hábitos da velha, que sai com aqueles pequenos peitos murchos para tomar uma fresca, indo até a sacada da varanda do segundo andar e contemplando a vista suburbana. Depois volta pra cama como se nada tivesse acontecido e isso independe da temperatura. Fora a mania de tomar banho gelado, coisa que pessoa de idade gosta de dizer para se exibir. Um frio do cacete e a pessoa tremelicando embaixo de uma ducha fria. Em discussão na casa, o filho torce o braço da mãe e quase quebra. Mas como boa mãe, diz para as visitas que caiu da escada, depois de ter sido devidamente enfaixada no postinho de saúde do bairro. Outra de hábitos singulares. Gosta de na praia pratica o topless. Abaixa a parte de cima do maiô e despencam os peitos murchos, quase a tocar na areia da praia. E as pessoas dali que tapem os olhos para não serem agredidas com a cena dantesca. A paria é o banheiro público, caga-se e mija-se muito ali dentro, o dia todo. Tomar banho em praia pública é como resolver dar um mergulho na piscina de casa, depois de acumular ali as descargas dadas na privada
Senta em frente a um quiosque e pede logo um camarão graúdo. Fora da estação é mais fácil ser melhor atendido e pagar um preço mais justo. No período de migração é um tal de não ter lugar onde enfiar o pau da barraca, fora a falta de vagas para estacionar. Se quiser lugar bom tem que madrugar. Agora que os entendidos dizem que dá câncer mesmo no sol que surge cedinho, tem gente que quatro horas da madrugada já está indo montar acampamento, uns já dormem na praia. Aquelas mulheres que ficam dormindo esturricadas embaixo do sol, cada dia a pele mais manchada e cancerígena. Ficam com aspecto de velha encardida. Dois estampidos em começa a correria.
— Arrastãoooo!!! — Alguém grita.
Cada um tentando proteger as suas quinquilharias. Um sujeito quis enfrentar e levou uma traulitada nas fuças que o óculos foi parar dentro do mar. Ficou pra Iemanjá. Chegam as autoridades e conseguem apreender uns dois menores de idades. Recuperam uma ou outra carteira e uns dois relógios de camelô. Um gringo tenta relatar falando mal português e se achando o dono da cocada preta. Logo percebe que estão dando foda-se pra ele e sossega o rabo albino dele. Volta o clima de temporada, povo indo refrescar a cuca no mar. O moleque rasgou o pé em uma lata de cerveja enterrada na areia. O cachorro de uma farofeira cagou pela terceira vez e ainda próximo da placa que diz ser proibido deixar animais fazerem as necessidades fisiológicas ali. A dona do bicho ainda dispensou os ossos da galinhada por ali mesmo e enterrou, igual gato faz. Só faltou a cadela também cagar ali. Próximo é possível ver a rede de esgoto desaguando no mar e umas crianças nadando no que chamaram de “riozinho de água doce”. O homem que vende picolé parece que nunca fica rouco e nem perde a voz, é sempre gritando numa potência e apertando aquela buzina que dá vontade de enfiar no cu dele. O sal faz o sol queimar ainda mais. A noite a praia é mais bonita e convidativa, diria que até mesmo poética. De dia é conto de terror. Tem homem e mulher que fica o ano todo na academia para chegar nessa época e humilhar os reles mortais, com suas barrigas curtidas na cerveja e seu físico de escritório. Sem contar aquelas marcas da manga da camisa, com o colarinho preto, já que só o pescoço pega sol, quando vai e vem do banco, pagando contas e resolvendo tretas da empresa.
Enterro fuleiro. Sem comida, sem bebida. Magro de gente. O morto não devia ser muito querido. Enterram sem discurso e dispersando logo os gatos pingados. De longe é possível ver o cemitério crescendo, novas covas sendo abertas diariamente. Trabalho não falta. Esse negócio de morte dá lucro. Dizem que dinheiro chama dinheiro. Planta um pé de grana e vê o que nasce. Melhor pensar que dinheiro na mão é vendaval e estar pronto pra tormenta. Os bingos estão cheios de velhos desocupados, prontos a gastar a aposentadoria e acreditando que serão os mais sortudos do mundo. Todo jogador quer ser agraciado por Deus, embora na Bíblia sejam condenados os jogos de azar. O sujeito fica com a pulga atrás da orelha e resolve fazer uma fezinha e é nessa que se fode. Fica vendo aquelas propagandas da Caixa Econômica e quando vê está devendo até o buraco de cagar. Vez ou outra um consegue tirar uma bolada, mas logo é perseguido e morto ou casa com uma viúva daquelas que logo vão dar cabo do sujeito. Muita gente diz que se ganhar ajuda fulano e sicrano, que cai no mundo. Na verdade acabam gastando a torto e a direito, não ajudando ninguém e ainda tendo um final trágico. O dinheiro acaba voltando pro banco. Sempre volta. Se for assaltar, que escolha logo um banco. Armamento pesado e disposição pra encarar o que vier. Se conseguir um bom plano pode garantir o sucesso. Esses banqueiros vivem fingindo quebrar pra arrebentar com a vida dos clientes. Fora os gerentes, que ficam com aquela cara de cu, mas na hora de abrir uma conta ou fazer aquele depósito gordo, só faltam abrir as pernas e pedir a pica. Fila de banco é a desgraça em si. E a fila dos idosos anda menos que a comum e isso faz com que migrem, causando a ira de alguns exaltados. Tem sempre uma mulher que chega com uma criança no colo. Para alguma coisa tem que servir ser mãe solteira com idade precoce. Tem momentos que alguns acreditam que alguém deve alugar um bebê pra essa gente. No horário de maior movimento elas surgem. Ainda tem as grávidas. Na hora de fazer é uma beleza, mas enfrentar fila com barrigão ninguém quer. Mas tem grávida que leva pau até pouco tempo antes de parir e tudo na maior disposição. Conveniência. Aquelas lojinhas onde a gente só vai quando passamos por algo inconveniente. Como a falta de algum produto de urgência no feriado e isso faz você pagar a fortuna que o dono da conveniência impõe.
Fazer merda na vida parece ser uma condição humana. No aperto busca-se aquele banheiro. Ainda que seja na rodoviária, sem papel, faltando o assento da privada, as paredes mijadas e o chão parecendo um rio de mijo. Pega o livro próximo e arranca logo umas três páginas. Papel fininho na Bíblia, não arranha muito o fiofó. Os olhos bateram nas inscrições: Livro – Números, página 176, Capítulo 2, Versículo 34; Livro – Salmos, página 681, Capítulo 1, Versículo 1; e por fim o Livro – Jeremias, página 945, Capítulo 42, Versículo 22. Viu que não adiantar só três páginas e arrancou logo um punhado. Limpou bem as pregas e jogo tudo na privada que entupiu e a água subiu até a boca. Saiu com a Bíblia embaixo do sovaco. Apressado para embarcar no próximo ônibus. A viagem ia ser longa, muita poeira e poucas paradas. Olhou as pernas de uma senhora que estava acompanhada do marido e subiu confiante. Nem café havia naquela birosca. Um gordo sentou ao seu lado e além de espremer com seu corpo que não cabia no assento, roncava que parecia o motor de um trato. Pensou: “ — Esse maldito vai pro Inferno pela Gula.” Virou o quanto deu para o lado da janela e ficou observando a paisagem que não mudava e isso dava sono, mas não conseguia dormir por causa do ronco daquele gordo filho da puta. O motorista, morrendo de sono, já havia se entupido de remédios para seguir a viagem sem fazer o ônibus capotar em um precipício qualquer da serra. Uma mocinha perguntou para a mãe se ali tinha Wi-Fi. A mãe prontamente respondeu:
— Que Vai-Fai o quê, vai dormir que você ganha mais. O único Vai que tu vai conseguir aqui é o “Vai se Ferrar.”