Esquizofrenia Parte I
Capítulo I
Num escritório de advocacia barato, é possível ver os percevejos e sentir o aroma de mofo misturado à naftalina. Sua barriga peludo por debaixo da camisa, caindo sobre o cinto da calça, a coceira nos saco e a escarrada no cesto de lixo. Mais um cliente inexpressivo. Bebe cachaça doada pelo filho do dono da padaria ao lado, onde acumula sua conta de cafés da manhã. Busca mais um caso apenas, algo que possa assegurar uma trepada com as colegiais que se vendem no estacionamento ao lado. Só queria uma boa chupada daquelas de engolir as bolas. Já não se faz boquete como antigamente. Perdeu-se o glamour. Acende um cigarro comprado a varejo e solta baforadas no escritório, deixando aquela nuvem de fumaça, que quando abre a porta vai direto na cara dos clientes. Mais uma vez, Elisa, aquela viúva com teias de aranha na boceta e que sempre vem com aquele papo de que precisa fazer um dinheiro. Não passa de papo furado. Enquanto deixa ela explicando os pormenores. Vai até o banheiro mijar, respingando urina nas beiradas do vaso e deixando cair uns pentelhos que ficam grudados nas bordas. Os ratos continuam a roer a roupa velha pendurado no closet que viera de brinde ao adquirir aquele imóvel alugado. Bom negócio. Boa localização e próximo a uma zona. O paraíso dos formados em Direito.
— Ninguém se forma direito em Direito. — pensou e deu uma risadinha.
Ao sair, aquele bafo de pinga. Elisa sentia e fingia não se importar. Mas no fundo sentia nojo e imaginava que aquele pau seboso jamais a seduziria. Sabia que estava atolada em dívidas, já que a merda de vida que possuía só fazia afoga-la. Atolada de merda até o pescoço, com o aroma das fezes e quase a boca engolindo aquelas porções generosas. Nunca prestou pra nada. Vazia. Oca. Era assim que se sentia quando dava a boceta. Era assim que procurava se preencher. Fútil e oportunista. Casou por dinheiro e acabou viúva e falida. Nem terminou de pagar as próteses de silicone que a deixavam ainda mais feia. O peito era exageradamente grande e parecia pesar uma tonelada. Ninguém olhava para a sua cara, primeiro iam direto para as tetas. O rosto parecia ter sido o que restou de uma colisão terrível, um misto de ossos, peles e qualquer outra porcaria parta dar liga aquelas deformidades. Arrumou um amante que só estava com ela pelo dinheiro. Ela pagava tudo que podia ao rapaz, que só trepava no escuro. Sabe-se bem o motivo dele. E gostava de gozar naqueles imensos peitos, o que valeu o investimento no silicone. Foi só ficar fodida que parou de ser fodida. No money, no fucky.
Quarta-feira. Meio da semana. Nem quinta, próximo ao fim, nem segunda, que é o dia do suicídio. Deve ser por isso que Deus criou o homem no sexto dia e descansou no sétimo. Mas se pensarmos que a semana começa no domingo. Melhor seria pensar que sexta, dia das superstições e zoeira, é do homem mesmo e sábado, o dia do descanso e foda-se a missa do domingo. Deve ser por isso se casa no sábado, um bom dia para foder. Lua-de-mel. Voltando ao tema. O sexto dia é o do homem, eis o número do homem, 6. Na esquina, 6, 6, 6, ou seja, três amigos parados. O bar convida que entre. Música e bebida. Bares se multiplicam mais do que igrejas. São muito mais divertidos. A igreja é chata, salvo para os sacerdotes que podem fornicar e bebericar com toda a autoridade divina. A mesa de sinuca torta, as bolas manchadas, o pratinho com ovos coloridos. Uma porção de miúdos. Língua de boi, testículo de boi, coração de galinha, moela de frango, pimenta a dar com o pau. Cerveja gelada, ainda que seja seis da manhã. O dono do estabelecimento é evangélico e por isso não vende cigarros. Deixa o capeta enfiar álcool no rabo dos clientes, mas cigarro não. Que vão fumar na puta que os pariu. Velho enjoado do caralho. O pinto dele deve ter encolhido tanto que entrou no próprio cu. As partidas jogadas, um dinheirinho apostado. A máquina caça níquel continua a todo vapor. Se a fiscalização vier, basta liberar um qualquer pros homens de farda e está tudo resolvido. A televisão ligada e aquele âncora com cara de bosta e sorriso amarelo, dando as notícias da manhã, fingindo que todo dia será um bom dia. Cada um sabe onde o sapato lhe aperta. Mais uma dose pinga, já que hoje não tem serviço. Demitido comemora o desemprego no boteco, afogando as mágoas e esquecendo das dificuldades. A companhia dos pinguços de plantão faz bem a todo cristão. Sai do bar e manda pendurar.
— Deus lhe pague. — Resmunga o cliente saindo do estabelecimento.
— Você me paga, Deus não tem nada a ver com o pato. — Responde o dono do bar.
Saem os três amigos abraçados, cambaleando. A perua entupida de crianças passa a toda pela rua. A lua disputa com o sol na aurora, como se desse duelo dependesse a existência do mundo. Olha-se para um lado e observa-se a lua, feito um queijo de minas, enorme e branca. Do outro lado o sol, com os raios queimando as fuças de quem deseja encará-lo de frente.
— Caralho de sol forte. Parece que Deus que foder a gente logo cedo. — Resmunga o velho indo pro seu roçado.
O galo canta no terreiro com intensidade. Seria normal a cantoria, salvo uma das galinhas que trepava constantemente e arrancava penachos do cangote, ter sido atropelada. Provavelmente um desses motoristas que perdem o horário e saem de manhã querendo disputar corrida com o tempo. Cada casa apagada é uma luz na expectativa de acender. A noite é essa constelação de watts. Basta um apagão e o mundo desmorona. Se acabar a luz fica-se obrigado a conversar na sala, encarar os familiares, saber o que pensam, ouvir as vozes esquecidas. Impera o silêncio, com as iluminações de relâmpagos e os tremores das trovoadas. Volta a luz e cada um vai pro seu canto. Cada um aumenta um ponto, já que o conto tanto fez ou tanto faz. Fecha a porta e nada mais.