Ômega Parte III

Capítulo III

[Despertar]

Aos dezesseis anos de idade, parecia já ter vivido um século. As imagens vinham enchendo a mente, fazendo com que uma torrente de imagens cascateassem e diante dos olhos do cérebro. As recordações de Sofia, cada vez mais raras. Com o tempo tudo parece ser esquecido. Eric, finalmente revivera essa figura já distante. Conhecidos desde a infância, onde se cruzaram pela primeira vez, na vizinhança do padrasto. Nunca se deram bem. Inicialmente parecia uma amizade, até perceber que Eric o utilizava para realizar seus desejos. Nas brigas sempre levara desvantagem. Encontraram-se novamente na adolescência, onde em uma das brigas, na mais grave que defendera Sofia de um estupro, Thomas foi espancado gravemente e Ômega esmurrado até quase a morte. Eric saíra vitorioso e com a chegada de outras pessoas, impediram algo pior. Thomas possuía uma saúde frágil, sofrendo com alergias e gravidades pulmonares. Mas não desistia de lutar a cada instante e se superar, tendo seu irmão como fonte de inspiração. Sofia anos depois viria levá-lo para o exterior e a saúde de Clarisse declinava a cada dia.

Era de madrugada quando algo explodiu em seu peito. Sentiu o tórax levantar e o desespero tomou conta. Ao se levantar viu que rasgara as roupas e algo como uma segunda pele tomara conta de seu corpo, se espalhando feito um vírus, pior, parecia parasitá-lo. Sentia uma força incrível se apoderar dele. Se contorcia e evitava gritos para não acordar Clarisse. Conseguiu se esgueirar pelos corredores e ganhar a rua, indo parar em um beco escuro, onde garotos haviam quebrado as luminárias dos postes. Agora gemia e se revirava. Se recordou do filme Alien. Olhava na poça d'água e via o reflexo de algo que assustava. Até que euforia passou e aquela segunda pele desapareceu, como se tivesse sido sugada para dentro de si. Caminhou com passos vacilantes e parou diante de uma vitrine de loja, onde uma TV estava ligada. Prestara atenção no filme de cowboys e quando olhou de novo para o vidro, viu que estava trajado como o sujeito do filme. Mas não estava apenas trajado, assumira a forma, era o ator com todos os traços. E mais. Estava portando os revólveres e quando resolver brincar de atirar, viu que soltava projéteis de verdade. O desespero diante daquela surpresa. Na corrida angustiante, como a madrasta, acabou sendo atropelado e jogado longe. O motorista procurou o cowboy para prestar socorro e não encontrou nenhum vestígio. Ômega estava do outro lado da calçada, mas não deitado, em pé e em sua forma normal. Havia voltado a ser ele mesmo.

Depois da insólita experiência, decidiu retornar para casa, desistindo da ideia no caminho. Vozes começaram a tomar conta do seu cérebro. Uma quantidade imensurável de sons. Conseguia ouvir o pensamento do mendigo sentado do outro lado da calçada e a distinguiu no meio de tantas outras. Ficara claro que estava ouvindo o pensamento das pessoas. Não sabia ao certo de quantas e muito menos o motivo. Resolveu se concentrar, imaginar o pensamento de um vizinho que morava no apartamento ao lado do de sua tutora. Homem gordo e com rosto sério. Estava agora na mente dele, como se enxergasse através daqueles olhos. A raiva que crescia ao visualizar o maldito molestando a sua própria filha. Conseguia sentir o desejo do pedófilo, sentia o toque e seu ódio crescia ao conseguir visualizar a maldade do pensamento e o desespero da criança. Tentou fugir aquelas imagens, mas outras vinham e somavam-se a elas. Enxergava muito além, inclusive com os olhos dos outros. A quantidade de aromas, cores, gostos. O mundo parecia se abrir a cada instante em infinitas possibilidades. Seu corpo estava mais trabalhado, parecia ter ganhado novas formas. Aprendia com as experiências dos outros e já conseguira em segundos absorver grande quantidade de informações. Parou em frente a loja e esperou a próxima imagem, um filme policial, estava logo trajado como o protagonista. Subiu as escadas do prédio correndo, arrombou a porta do vizinho de Clarisse e socou o homem com violência, a criança correu pelos corredores e os outros vizinhos se alarmaram. Carregou o velho asqueroso até a sacada e o fez cair, observando o impacto e o pescoço envergando. Siau correndo pelos corredores. Alguém gritou que parecia o Mel Gibson. Estava nas ruas. Sabia que seria preso. Aproveitou da distração de um motorista que parara diante do tumulto das pessoas próximas ao edifício e roubou o carro. Já havia aprendido a dirigir e em meio a arriscadas manobras e alta velocidade, um animal surge abruptamente. Na tentativa de desviar, o capotamento, fazendo com que o corpo fosse jogado para fora do veículo, já que estava sem cinto de segurança. Aparecendo do outro lado da avenida, em sua forma normal. As viaturas de polícia chegando e lhe perguntando se havia conseguido visualizar quem era o condutor. Explicações pobres, sem muito que pudesse ajudar os policiais.

De volta ao prédio, o desespero de Clarisse. A aflição diante do que parecia ter sido um assalto com desfecho trágico, além da preocupação de não ter encontrado seu menino em casa. Ômega explicara que não conseguia dormir que havia saído para pensar um pouco. Apesar da bronca que desejava lhe dar, ficou aliviada de vê-lo a salvo e longe daquela tragédia. Imaginando que havia sido algo provocado pela providência divina, que conseguira polpá-lo de tamanho espetáculo trágico. Voltaram para seus quartos depois de uma longa conversa e um leite quente para que o sono ganhasse força. Clarisse dormia e era possível ouvir do outro quarto o seu ronco. Ômega ficara sem pregar os olhos, as vezes continuavam em sua mente e estava desesperado porque também conseguia visualizar os sonhos de Clarisse. Só possuía uma certeza. Que ter matado aquele velho nojento foi o certo a se fazer e que agora a preocupação era da perícia descobrir o seu envolvimento. Havia assistido séries de investigação forense em que se descobrem coisas como fios de cabelo, pelos de roupa, pó de unha, enfim, difícil existir crime que não forneça provas. Havia escutado uma canção que não lhe saía da cabeça, “nós dois temos os mesmos defeitos, sabemos tudo a nosso respeito, somos suspeitos de um crime perfeito, mas crimes perfeitos não deixam suspeitos..”

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 11/06/2015
Código do texto: T5273972
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